Vivian Caccuri inaugura “Descomprimidos”, sua primeira individual na Millan
Com curadoria de Thiago de Paula Souza, a mostra apresenta os desdobramentos recentes da pesquisa de Caccuri em torno do som e da experiência coletiva de celebração
Vivian Caccuri, Derretimento (2022)
Em “Descomprimidos”, Caccuri investiga como a música e o som como fenômeno físico podem alterar e determinar a experiência coletiva e estados de consciência. Nas obras, vemos criaturas híbridas entre humanos e insetos, cenas de festas, paisagens arrasadas, grandes sistemas de som, além de linhas abstratas que podem remeter a ondas sonoras. O êxtase e o desespero são apresentados de forma onírica e experimental nas obras bidimensionais que têm como suporte telas de mosquiteiro.
“Produzidos ao longo de 2021 e 2022, [esses trabalhos] acenam para os redemoinhos de emoções que a artista acredita que marcam a experiência cotidiana de se viver no Brasil no último biênio. O isolamento, a crescente sensação de injustiça social, a instabilidade política e institucional, somadas à euforia e ao desejo de voltar às pistas e às festas, após o afrouxamento das medidas sanitárias, funcionam como ponto de partida para a criação das obras.” – escreve o curador Thiago de Paula Souza.
Nos últimos anos, Vivian Caccuri se dedicou a pesquisar também a relação entre humanos e mosquitos e suas influências no desenvolvimento das sociedades na América Latina. Os embates entre humanidade e insetos têm figurado em sua produção, que investiga os mecanismos utilizados para evitar danos à agricultura, patologias, e até o indesejado zumbido gerado por esses insetos. Desde então, a tela de mosquiteiro se tornou suporte para obras que combinam desenho, pintura e técnicas de costura e bordado. A transparência desse material, aliada às intervenções gráficas criadas pela artista, resulta em imagens de aspecto vibrante e ao mesmo tempo dotadas de leveza e movimento. Caccuri utiliza ainda miçangas e peças de metal que funcionam como guizos, transformando cada obra em um objeto sonoro.
Já a expografia foi pensada de modo a criar um ambiente onírico. Fios funcionam como elementos condutores que conectam as obras expostas, formando um organismo que parte de uma obra da série Fantasma Roupa – que consiste na silhueta de um grande inseto – posicionada no fundo da sala expositiva. “Descomprimidos” contará também com uma grande instalação sonora formada por andaimes e caixas de som, com cabos e fios que se assemelham a veias e artérias, continuando o mote orgânico que perpassa a exposição. O corpo também aparece no som reproduzido por esse soundsystem: ruídos de veias, coração, ossos e outros órgãos captados no corpo da própria artista.
Vivian Caccuri se interessa pela potencialidade do coletivo disparada pelo som, bem como pelas sensações de esgotamento físico e ansiedade diante dos cenários políticos e climáticos, que entram em conflito com o desejo e a possibilidade de extravasar. A experiência multissensorial despertada em festas, que pode provocar uma espécie de transe, é investigada pela artista em suas diversas possibilidades, positivas ou negativas.
Serviço
Vivian Caccuri
Descomprimidos
Curadoria de Thiago de Paula Souza
De 19 de novembro a 17 de dezembro de 2022
Abertura 19 de novembro das 11h às 15h
Millan
Rua Fradique Coutinho, 1416, Pinheiros, São Paulo, SP
Sobre a artista
Vivian Caccuri
1986, São Paulo, SP, Brasil
Vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ.
Caccuri investiga a música e produções sonoras, propondo experimentos que abarcam o visual, o corpóreo e o tecnológico. Por meio de objetos, bordados, instalações e performances, a artista lança luz sobre os condicionamentos históricos que assentam distinções entre ruído, música, sons naturais e silêncio, evidenciando o sentido coletivo de expressões culturais. Este ano a artista prepara a exposição The Shadow of Spring, no New Museum, EUA, em pareceria com o artista Miles Greenberg, seguindo sua individual Mosquito Revenge, no Kunsthal 44Møen, Dinamarca. Também participou das coletivas Histórias Brasileiras, MASP, SP; e Sick Architecture, CIVA, Bélgica, em 2022. Em 2019 teve projeto comissionado pela Serpentine Galleries, Inglaterra, e participou da 58ª Bienal de Veneza, Itália. Teve obras expostas na 32ª Bienal Internacional de São Paulo, SP, em 2017 e no 33º Panorama da Arte Brasileira, MAM, SP, em 2013.
Túlio Pinto, Cumplicidade #51 (2022)
Dois anos após sua última exposição solo na galeria, Buraco no céu (2020), Túlio Pinto apresenta os desdobramentos recentes em sua investigação sobre os limites de materiais de uso industrial. Localizadas entre escultura e instalação, as obras produzidas com blocos ou barras de aço e bolhas de vidro soprado se organizam em arranjos precisos de equilíbrio e jogo de forças.
As obras se sustentam autonomamente, em equilíbrio, e colocam em tensão os pressupostos sobre a fragilidade do vidro e o peso do aço. Para atingir esse resultado, no ateliê onde é o vidro é soprado,– com o material ainda quente e maleável –, as bolhas são pressionadas contra as chapas e vigas de aço, para que se moldem a elas. Esse processo se desenvolveu a partir de trabalhos nos quais o artista posicionava peças de concreto contra balões de festa – que, no embate com o peso, iam pouco a pouco, cedendo e murchando.
“A primeira impressão que temos ao ver esses trabalhos escultóricos de Túlio Pinto é a de que as bolhas de vidro vão estourar, já que, aparentemente, não poderiam resistir ao apoio daquelas massas brutas. Por isso, o paradoxo, que, nos trabalhos do artista, ganha ares de uma espécie de milagre laico, ou, na verdade, de uma explicitação materialista: os volumes de vidro são, sim, muito resistentes, e ainda mais quando sua geometria se contorce, distanciando-se da fragilidade das chapas planas. Assim, enquanto as barras de ferro realizam a força de empilhamento, as informes bolhas de vidro se deformam para apoiá-las. O conflito se resolve provisoriamente em acomodação.” Comenta o curador.
Tal operação, entendida pelo artista como uma “performance dos materiais”, se configura numa organização precisa das peças que compõem os trabalhos – levando em conta as propriedades e os antagonismos das matérias, que permitem que as obras permaneçam estáticas.
Há ainda um contraste entre a forma orgânica do vidro e a precisão industrial da liga metálica, para Wisnik: “Daí, a meu ver, a força desses encontros improváveis, nos trabalhos de Túlio Pinto, entre ferro e vidro, ou entre as formas geométricas claras e o organicismo informe de estruturas frágeis que se amoldam ao esforço bruto de compressão. Ou, ainda, entre o peso da barra de ferro, de extração industrial, e a consistência mutante da película vítrea, que, soprada delicadamente pelo pulmão de um trabalhador artesão, esculpe-se em formas pelo movimento de massas de ar.”
Avançando em debates postos pelo minimalismo e pela arte construtiva brasileira, a produção de Túlio Pinto permeia de maneira singular os conceitos de harmonia, equilíbrio e efemeridade, formulando a coexistência de opostos, assim como experiências dos espectadores com o espaço.
Lastros e Tensões. Deformações e Acolhimento
Túlio Pinto
Curadoria Guilherme Wisnik
De 19 de novembro a 17 de dezembro
Millan
Rua Fradique Coutinho, 1430,
Pinheiros, São Paulo, SP
Sobre o Artista
Túlio Pinto (Brasília, DF, 1974) vive e trabalha em Porto Alegre, RS. É bacharel em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UFRGS, RS. Realizou diversas exposições individuais, entre elas: Encontros divergentes, no MAC Sorocaba, SP (2021); Buraco no céu, na Galeria Millan, São Paulo, SP (2020); Momentum, no MARGS — Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS (2019); Onloaded: Túlio Pinto, no Phoenix Institute of Contemporary Art, Phoenix, EUA (2015). Entre suas principais exposições coletivas destacam-se: 13a Bienal do Mercosul: Trauma, sonho, fuga, Porto Alegre, RS (2022); Glass and Concrete, Marta Herford Museum, Herford, Alemanha (2020); Transparência e reflexo, Mube — Museu Brasileiro de Escultura, São Paulo, SP (2016); Bienal de Vancouver, Vancouver, Canadá (2014). Sua obra faz parte de diversas coleções, entre elas: Instituto Figueiredo Ferraz; Museu de Arte Contemporânea do Paraná; Museu de Arte de Ribeirão Preto; Fundación Pablo Atchugarry; Fundação María Cristina Masavesu Peterson; Marta Herford Museum.
Sobre o curador
Guilherme Wisnik (São Paulo, 1972) é professor Livre-Docente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, SP. Autor de livros como Lucio Costa (Cosac Naify, 2001), Estado crítico: à deriva nas cidades (Publifolha, 2009), Espaço em obra: cidade, arte, arquitetura (Edições Sesc SP, 2018) e Dentro do nevoeiro: arte, arquitetura e tecnologia contemporâneas (Ubu, 2018). Recebeu o prêmio “Destaque 2018” da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) em 2019. Publicou ensaios na Artforum, Architectural Design, The Architectural Review, Domus, Arquitectura Viva, AV Monografías, 2G, Rassegna, Arch +, Baumeister, JA—Jornal Arquitectos, Urban China, Plot e Monolito. Foi curador de diversas exposições, como o projeto de arte pública Margem (Itaú Cultural, 2008-10); Paulo Mendes da Rocha: a natureza como projeto (Museu Vale, 2012); São Paulo: três ensaios visuais (Instituto Moreira Salles, 2017); Ocupação Paulo Mendes da Rocha (Itaú Cultural, 2018); Conversas na praça: o urbanismo de Jorge Wilheim (Sesc Consolação, 2019); Infinito vão: 90 anos de arquitetura brasileira (Casa da Arquitectura de Portugal, 2018) e da 10a Bienal de Arquitetura de São Paulo (Instituto de Arquitetos do Brasil, 2013). É curador do Pavilhão do Brasil na Expo 2021 em Dubai.
Sobre a Millan
Fundada em 1986, a Millan vem trabalhando com artistas cujas práticas atemporais abrangem, sobretudo, aspectos transcendentais nos âmbitos espacial, contextual e linguístico, tendo contribuído para a preservação da memória histórica de produção em sintonia com a contemporaneidade.
Desde sua formação, a galeria reconhece a importância de diálogos entre a produção de artistas modernos e sua contribuição para a formação da nova geração. Ao longo de seus mais de trinta anos de atividade, a Millan se consolidou como referência nacional por fomentar a potência de cada artista, posicioná-lo dentro do mercado internacional e apoiar sua participação em importantes exposições coletivas, incluindo a Documenta de Kassel e a Bienal de Veneza e mostras individuais em grandes instituições, como Louvre, Palais de Tokyo, Jeu de Paume, Museo Tamayo, Museo Reina Sofía e Tate Modern. Atualmente, sua programação está direcionada a integrar essas práticas a partir da produção de artistas internacionais e nacionais, bem como suas contextualização e consolidação em diferentes cenários dentro e fora do Brasil.
A galeria trabalha com artistas em ativa produção, incluindo Ana Prata, Elena Damiani, Henrique Oliveira, José Damasceno, Miguel Rio Branco, Paulo Pasta, Peter Halley e Thiago Martins de Melo, bem como espólios consolidados como de Feliciano Centurión e Tunga. Atualmente é dirigida por André Millan, Socorro de Andrade Lima, João Marcelo Andrade, Hena Lee e Camila Siqueira e composta por dois espaços expositivos na Rua Fradique Coutinho, em São Paulo.