Letrinhas miúdas, frases prolixas, termos que só graduados em Direito entendem. Todo mundo em algum momento na vida depara-se com complicações na hora de assinar um contrato ou quando vai consultar alguma cláusula em busca de seus direitos e deveres. Para que empresas e escritórios descompliquem o juridiquês para seus clientes, proporcionando satisfação e evitando problemas para ambas as partes, uma startup brasileira de “legal design”, a Bits, está colocando no mercado um software inédito de simplificação de documentos jurídicos, o UX DOC.
A empresa, com sede em São Paulo e com clientes em todo o Brasil, Canadá, Moçambique e Europa, atua nesse segmento desde 2019, quando foi fundada. Inicialmente, ministrando cursos de formação e prestando serviços de “legal design” para empresas e escritórios de advocacia, agora, amplia o leque com a oferta do software. O software surge de uma necessidade do mercado em criar documentos de fácil compreensão, através dos quais é possível criar seus próprios modelos ou usar algum pronto, conforme explicam os fundadores e sócios da Bits, Erik Nybo e Mariana Moreno.
Ainda, já é possível enxergar benefícios da aplicação do legal design no Judiciário. Conforme mapeamento feito através do Projeto Simplificar, liderado pela juíza Aline Tomás, titular da 2ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Anápolis/GO, o uso do modelo reduziu a taxa de recorribilidade das sentenças em quase 50% e diminuiu o tempo de duração do processo em mais de 30%.
Além disso, a startup identifica tópicos de contratos e outros documentos que mais absorvem tempo de leitura; também aqueles lidos de forma superficial ou, até mesmo, ignorados. “Por exemplo, há uma atenção maior para itens como pagamentos, valores. Mas há pouca leitura para as obrigações fixadas no contrato”, cita Nybo, acrescentando que o engajamento de leitura no documento vai diminuindo à medida que o texto vai se estendendo.
Com base nesse diagnóstico e na expertise acumulada em três anos de atuação da startup, o software agora oferecido ao mercado proporciona a elaboração de documentos com “legal design” em poucos cliques.
“Qualquer usuário do UX DOC pode editar seus documentos, sem limitações. Há um editor completo de design e de texto”, explica o sócio da startup, pontuando diferenças em relação a aplicativos convencionais de design. “O software da Bits dispõe de ferramentas e funcionalidades específicas para termos jurídicos”, sublinha.
Nybo e Moreno ressalvam que o trabalho de “legal design” foca na linguagem e na apresentação dos documentos, trazendo clareza para o conteúdo. Ou seja, não se trata de assistência ou consultoria jurídica. Nesse sentido, públicos-alvo da Bits são empresas de grande, médio e pequeno porte e, nestas, geralmente os setores ou gestores responsáveis por áreas jurídicas, de inovação ou compliance. Ainda, escritórios de advocacia ou os próprios advogados, autonomamente.
Os fundadores da Bits ressaltam que o serviço prestado pela empresa está em convergência com o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16, o qual trata da promoção da “paz, justiça e instituições eficazes”. “Se as pessoas não entendem o que está escrito em um documento, não têm acesso aos seus direitos e não entendem suas obrigações”, observa Nybo. Os ODSs constituem uma agenda global, das Nações Unidas, envolvendo 17 objetivos e 169 metas, para serem cumpridas pela sociedade até 2030.
Um dos serviços prestados pela Bits ao escritório VRA é um exemplo deste propósito. Por meio da descomplicação de linguagem e de um design atrativo de contratos, uma comunidade indígena atendida pelo escritório obteve compreensão plena e segurança para assinar um contrato. A papelada foi reduzida de 17 para apenas 2 páginas, sem prejuízo do teor do acordo.
Além de documentos entre uma organização e seus clientes ou fornecedores, documentos de uso interno das organizações também são descomplicados pelo trabalho da Bits. Códigos de ética, de conduta e manuais de segurança, “que geralmente quase ninguém lê, causando descumprimento por desconhecimento”, conforme assinala Nybo, são “traduzidos”. “Por vezes, até transformados em linguagem audiovisual, como vídeos curtos”.
Há um movimento de expansão do “legal design” também para as instituições governamentais, constatam Nybo e Moreno. Em dezembro último, por exemplo, o Ceará foi o primeiro estado a estabelecer, em lei, uma política pública de linguagem simples para editais e outros documentos. “É uma forma de os governos melhorarem sua comunicação com o cidadão”, afirma Nybo.
Os dois empreendedores, que também são advogados, explicam que, embora no Brasil o conceito esteja sendo chamado como “visual law” (ou “Direito visual”), a expressão “legal design” é a originalmente difundida pelo mundo. Desse modo, a Bits se posiciona como uma startup “legal design”. “O aspecto estético do documento é apenas um efeito colateral do trabalho de design que é feito nele”, afirma Moreno.