O envelhecimento da frota de veículos no Brasil e a falta da obrigatoriedade da inspeção veicular caminham na direção oposta da agenda ESG, que vem pautando ações com foco em sustentabilidade, governança e ações sociais dentro das empresas e na indústria no mundo todo.
O Brasil conta com mais de 116 milhões de veículos em circulação, de acordo com os dados mais recentes da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), de maio de 2023. Mais da metade, quase 61 milhões, são automóveis. O restante se divide entre os mais diferentes tipos de veículos, como ônibus, caminhões, motocicletas e outros.
Hoje, essa frota em circulação apresenta uma idade média de 10,9 anos, o que marca um envelhecimento pelo nono ano consecutivo, de acordo com o mais recente estudo do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças). Entre os veículos pesados, a idade média dos caminhões brasileiros é de 11,4 anos – a mais alta desde 2007.
INSPEÇÃO OBRIGATÓRIA
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que está em vigor desde 1998, prevê no artigo 104, a inspeção obrigatória dos veículos em circulação com relação às condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruídos. O assunto, no entanto, não foi regulamentado, mesmo depois de 25 anos da lei em vigor. O engenheiro Daniel Bassoli, diretor executivo da Federação Nacional da Inspeção Veicular (FENIVE), destaca que a inspeção técnica veicular periódica é ferramenta usada no mundo inteiro para redução de riscos de acidentes por falhas mecânicas, já que provoca a manutenção da frota.
O engenheiro explica que o envelhecimento da frota, a falta de inspeção obrigatória e de manutenção dos veículos traz impactos graves ao país. Um deles, ressalta, diz respeito à segurança no trânsito, que fica comprometida e acaba colocando em risco a população. “A frota envelhecida e com manutenção inadequada causa acidentes de trânsito”, enfatiza.
Em todo o mundo, cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem a cada ano em decorrência de acidentes de trânsito, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) – braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas. A entidade aponta os veículos inseguros como um dos principais fatores de risco à vida, ao lado de outras questões graves como erros humanos, excesso de velocidade e condução sob influência de álcool. Nesse quesito, encaixam-se desde carros sem condições de trafegar devido à falta de manutenção e inspeção veicular até aqueles envolvidos em acidentes – os sinistrados – e que, por descuido das autoridades, ainda estão em circulação.
De acordo com os dados da OPAS, os sinistros de trânsito custam à maioria dos países 3% de seu produto interno bruto (PIB). No Brasil, essa cifra ultrapassa os R$ 130 bilhões todos os anos, segundo estudo de 2016 da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP).
SUSTENTABILIDADE
Além da questão da saúde pública, Bassoli alerta que a falta de um controle maior sobre a qualidade da frota de veículos em circulação reflete a falta de uma política nacional com foco na sustentabilidade. “Sem um controle do nível de emissão de gases e reciclagem automotiva, há um impacto direto no meio ambiente. Não existe programa de controle de emissões veiculares implementado no país. E nem regras para disposição dos resíduos automotivos. O país está deixando muito a desejar nesse aspecto”, observa.
Bassoli lembra que a falta de inspeção para verificar os níveis de emissão de poluentes não é uma questão exclusiva de carros antigos. Ele lembra o caso do Dieselgate, em 2015, um escândalo automobilístico que envolveu a Volkswagen (VW) e outras montadoras.
A fraude – que envolveu manipulação de software de controle do motor – foi descoberta pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) e, posteriormente, foi comprovado que milhões de veículos da Volkswagen em todo o mundo contavam com esse software. “Se isso ocorre em veículos novos, o cenário entre os carros mais antigos deve ser muito mais preocupante. Porém, não há como ter uma métrica sem algum tipo de controle, como era o caso da inspeção veicular prevista em lei”, pontua o diretor.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Bassoli explica que os veículos movidos a combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, emitem diversos gases que se tornam poluentes atmosféricos e, daí, a necessidade de um controle rigoroso da frota de automóveis. “Hoje há a necessidade de se repensar as políticas públicas que precisam acompanhar as demandas ambientais. O Brasil já deveria estar à frente nesse quesito, uma vez que a legislação existe. Falta, apenas, colocá-la em prática”, destaca o diretor.
Entre essas demandas, o engenheiro elenca ações para estimular a renovação da frota, a criação de um programa de destinação de veículos que já não estão mais em condições de circular e iniciativas voltadas para a descarbonização. “Os níveis de emissão de gases dos caminhões podem variar dependendo de vários fatores, como o tipo de combustível utilizado, a tecnologia do motor e o padrão de emissões. Ou seja, quanto mais antigo um caminhão, pior a qualidade da fumaça lançada no meio ambiente e o país precisa ter um controle disso”, enfatiza Bassoli, ressaltando os compromissos internacionais que o Brasil assumiu com relação ao meio ambiente.
Um dos principais compromissos assumidos pelo Brasil é o Acordo de Paris, que visa combater as mudanças climáticas e limitar o aumento da temperatura global. O Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, com uma perspectiva de redução de até 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005.
De acordo com o Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários, publicado pelo governo em 2011, as emissões alcançariam 270 milhões de toneladas de CO² em 2020 e 40% viriam de automóveis, o que é bastante relevante.
“Só teremos menos problemas ambientais e menos sinistros de trânsito causados por uma frota mal conservada se forem desenvolvidas políticas públicas efetivas para reduzir o impacto ambiental decorrente dos poluentes liberados por veículos e dos resíduos sólidos mal destinados, o que irá diminuir o número de veículos sem condições de circulação”, reforça o engenheiro.