“Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer a razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida!!! “ Florbela Espanca
“Tenho fases, como a lua Fases de andar escondida, Fases de vir para a rua…. Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, Tenho outras de ser sozinha …” Cecília Meireles
“Oh Lord won’t you buy me a Mercedes Benz My friends all drive Porsches, I must make amends. Worked hard all my lifetime, no help from my friend So Lord, won’t you buy me a Mercedes Benz? Janis Joplin
Se um aficionado do rock analisasse a obra e a vida de Florbela Espanca, poetisa portuguesa de extraordinária sensibilidade que nasceu em dezembro de 1894, que teve uma vida plena, tumultuada e inquieta e que morreu aos 36 anos de idade vítima de overdose, e em seguida recorresse a cada detalhe dessa análise, numa especulação desconexa, concluiria que se ela, com sua arte desatrelada dos filtros morais, tivesse vivido nos anos 50 ou 60, seria a maior poetisa do Rock.
O rock não teve uma poetisa notável como Florbela Espanca, mas se valeu do universo feminino para alcançar o auge, mesmo com muita discriminação. (Os versos de Cecília Meireles citados no inicio se encaixariam aqui?).
Nos anos 50, Eddie Cochran, Buddy Holly, Johnny Burnette e outros pioneiros do gênero, se apresentavam para um público jovem, cujas famílias mal haviam digerido a 2ª Guerra Mundial, onde muitas perderam seus filhos, não aceitavam aquele ritmo alucinante, aquelas danças extravagantes, aqueles trajes fora dos padrões, tinham medo de que seus filhos fossem arrancados novamente dos seus laços; Elvis Presley era censurado na TV e também por políticos engomadinhos; a igreja excomungava o rock e seus adeptos, o preconceito com o Rock infestava a sociedade americana. Não só as igrejas, os políticos e os lares se opunham, mas comunidades inteiras eram desfavoráveis ao novo ritmo que, no entanto, arrebatava os espíritos jovens e trazia esperança para o mundo melancólico da época. Centenas de mulheres participaram da construção do rock, não apenas trabalhando nas gravadoras ou desenhando roupas, mas principalmente, cantando e escrevendo músicas, porém, as que se tornaram bem sucedidas e reconhecidas, são exceções como Wanda Jackson, Brenda Lee, Laura Lee Perkins, Etta James, Shirley e Lee, Barbara Pittman e Lorrie Collins. O Brasil, que teve um pós guerra menos traumático, o maior nome feminino do rock nos anos 50 foi o de Celly Campello. Essas mulheres maravilhosas, além de sofrerem com todo o preconceito que existia na sociedade em relação ao rock, tiveram que driblar, principalmente, o pior de todos que era o machismo.
Na década seguinte, a de 60, o rock muito jovem ainda, porém, já menos inocente, começava a aprender política, infiltrava-se na literatura, participava do cinema, etc. Enquanto a contestação cultural eclodia na França, o rock entre outras coisas, se rendia às mulheres e, muito por causa delas, passava a propor e a exercer a liberdade de expressão, além de implantar uma espécie de revolução sexual sob o lema “Paz e Amor” em dois movimentos mútuos, o hippie e o psicodélico, que viriam a se degradar muito rapidamente, bastante afetados pelas drogas que entraram naquele mundo como uma espécie de experimentação que não deu certo (Drogas, sexo e rock and roll).
Nessa época, a gravadora Motown foi a principal incentivadora das mulheres no rock/pop/soul/funk do mundo, sem dúvida, de lá saíram nomes como The Supremes que revelou Diana Ross, Martha Reeves & The Vandellas, Gladys Knight, The Ronettes, Mary Wells, Aretha Franklin, The Shirelles, entre outras. Fora da Motown, Grace Slick assumia os vocais do Jefferson Airplane a mais icônica banda psicodélica que se teve conhecimento, Mama Cassidy e a linda Michelle Phillips despejavam carisma no Mama’s and Papa’s banda que “cantava” os hinos hippies e Janis Joplin com sua voz, sua poesia e sua aparência parecia ter saído de um dos quadros surrealistas que, como os livros de André Breton(escritor surrealista), eram muito cultuados na época, graças ao movimento de 68 na França. Enquanto o rock conquistava o mundo as mulheres conquistavam seus espaços no rock pelo mundo inteiro. Na França surgiram Jane Birkin, Françoise Hardy e Silvie Vartan; na Itália, Rita Pavone e Gigliola Cinquetti; na Escócia, Lulu; no País de Gales, Mary Hopkins; na Inglaterra Kiki Dee e Marianne Faithfull e no Brasil, Rita Lee, para citar algumas. Mas o machismo persistia, Yoko Ono, que se permitia aparecer em nu frontal na capa do “The two virgins” (LP de John Lennon com a capa censurada no Brasil), foi acusada de ser a responsável pelo fim dos Beatles. Meu Deus, quanta bobagem! Como se fosse possível, uma artista singela, casada com John Lennon, o líder da banda completamente apaixonado por ela, acabar com a maior banda do planeta. Que mulher poderosa heim! (coisa de fã ciumento e machista, lógico). Então os “machistas de plantão”, deram um tiro no pé, pois, com isso na verdade, elevaram aos píncaros do meio artístico, uma mulher. É inacreditável como essa bobagem perdura até hoje. Por essa e por outras mas principalmente pela capacidade, as mulheres passaram a ter voz naquele mundo até então, masculino. Esse foi o inicio da boa fase das mulheres no rock que não acabou mais. (aqui, os versos da Cecília podem ser novamente invocados).
Os anos 70 chegaram e o rock com um jeitão de pós-adolescência, ao mesmo tempo em que ficou mais “sujo” e pesado (“Heavy” e depois Heavy Metal), já não sobreviveria sem a presença das mulheres, foi a consagração do pop/rock e a exemplo dos anos 60 elas marcaram esse período. Mariska Veres da banda Shocking Blue, Suzi Quatro, Jonita Han da banda Babe Ruth, a banda The Go-Gos e a lendária primeira banda da Joan Jett The Runaways, foram algumas que ajudaram a fazer daquela década a mais técnica e mais responsável do rock que por estar amadurecido, para muitos foi a mais interessante também.
A partir dos anos 80, a mulher já havia conquistado o seu espaço e fazia parte do mundo do rock naturalmente – Chrissie Hynde do Pretenders, Nina Hagen, “Poison Ivy” do Cramps, Sharin Foo do The Raveonettes, Brittany Howard do Alabama Shakes, as irmãs americanas do Larkin Poe, as bandas The Donnas e L7, as cantoras Patty Smyth, Amy Winehouse, Joss Stone e Imelda Mae, a excelente guitarrista Ana Popovic, a vocalista Beth Hart, a guitarrista Orianthi Panagaris, a baixista precoce revelada por Jeff Beck Tal Wilkenfeld, Rhonda Smith outra baixista conceituadíssima, a baterista de Jazz Cindy Blackman, e muitas outras, passaram a dividir os palcos, as redes sociais e as preferências, em igualdade com os homens. Essa lista que enriquece demais o meio musical de todo o mundo é imensa, e convenhamos, faz com que esse mundo fique infinitamente melhor.
Para finalizar, não poderia faltar uma banda que representa a continuidade de tudo isso. Formada por quatro garotas, a banda foi fundada há quatro anos quando algumas das componentes tinham 11 anos de idade. Hoje essas meninas entre 14 e 20 anos, formam a Cracklin’Groove, banda brasileira que está mostrando um trabalho que merece ser observado. São elas Lorena (guitarra e vocal), Gabi (guitarra e vocal), Dinhabass (baixo e vocal) e Elina (bateria)… YouTube: cracklin’groove oficial
Claudio Rogério Braco
(Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo)