É cada vez mais comum ouvir a frase: “Quando eu morrer, deixarei tudo para o meu cachorro”. É compreensível que os tutores de animais de estimação queiram garantir o bem-estar de seus pets após sua partida. Mas será que isso é possível?
Nos Estados Unidos, algumas fortunas deixadas para pets ultrapassam a marca de US$ 10 milhões, como o famoso cachorro Trouble, que herdou uma grande soma de sua dona, a empresária Leona Helmsley.
No Brasil, os animais são considerados bens semoventes, ou seja, não são sujeitos a herança como se fossem pessoas, pois são considerados um bem. Assim, apenas a pessoa humana ou pessoa jurídica podem ser nomeadas como herdeiras, conforme os artigos 1.798 e 1.799 da Lei nº10.406 do Código Civil Brasileiro.
Entretanto, o Código Civil permite que o tutor destine parte de seu patrimônio para a manutenção e bem-estar de seus pets por meio de um testamento. “A solução mais comum é nomear uma pessoa de confiança como um herdeiro ou instituição responsável por administrar esses recursos em benefício do animal, sendo possível planejar legalmente essa proteção”, explica a psicanalista e planejadora financeira especialista em gestão financeira familiar, Adriana de Arruda.
A ascensão das famílias multiespécies
Nas últimas décadas, o conceito de família tem passado por transformações significativas no Brasil. Uma tendência notável é o aumento de casais que escolhem ter animais de estimação em vez de filhos, configurando as chamadas famílias multiespécies.
De acordo com dados do Instituto Pet Brasil e da Abinpet, o país tem cerca de 160,9 milhões de animais de estimação – entre cães, gatos, aves, répteis, peixes e pequenos mamíferos.
Esse número representa um aumento de 3,33% em relação aos 155,7 milhões registrados em 2022. O levantamento também mostrou que os cães continuam sendo maioria nos lares brasileiros, passando de 60,5 milhões em 2022 para 62,2 milhões.
Paralelamente, a taxa de fecundidade no Brasil caiu de 6,16 filhos por mulher em 1960 para 1,74 em 2020, ficando abaixo do nível de reposição populacional, que é de 2,12, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme o mesmo Órgão, é previsto que a taxa de fecundidade total continue a diminuir, atingindo 1,50 filhos por mulher em 2034 e 1,58 em 2070.
O estudo Radar PET 2023 revela que 18% dos lares com animais de estimação pertencem a casais sem filhos, refletindo uma mudança nos valores e prioridades das novas gerações, que buscam companhia e afeto nos pets, muitas vezes em substituição à parentalidade tradicional.
“Podemos considerar que os fatores econômicos, as mudanças culturais e o desejo por maior liberdade e flexibilidade no estilo de vida contribuem para essa escolha dos casais brasileiros. Criar filhos exige uma dedicação de longo prazo, enquanto os animais de estimação oferecem companhia e afeto sem tantas restrições e obrigações”, destaca a especialista em gestão financeira familiar.
Essa transformação na estrutura familiar tem impactos diretos no mercado pet, que cresce para atender às demandas desses novos “pais de pet”. Serviços especializados, produtos premium e ambientes pet-friendly são cada vez mais comuns, refletindo a importância desses animais na vida de seus tutores.
“As famílias multiespécies representam uma evolução nas dinâmicas sociais, onde os pets assumem um papel central, oferecendo companhia, afeto e preenchendo espaços que, tradicionalmente, eram ocupados por filhos humanos”, comenta Adriana.
Como formalizar o processo de testamento?
Para formalizar esse processo, o tutor pode recorrer ao testamento, determinando que uma parcela da herança seja destinada ao cuidado do pet e nomeando uma pessoa ou entidade responsável por essa missão.
“Outra possibilidade disponível hoje no Brasil é a contratação de um plano de proteção que possa garantir os cuidados do pet, em caso de morte prematura de seu dono. A empresa Pet Assist Brasil, com uma base também na Florida, Estados Unidos, é pioneira neste assunto e oferece diferentes planos que vão desde a proteção toda vida, garantindo os cuidados do seu pet na sua base em Itu, até o plano tutor substituto, para que alguém de sua confiança receba um recurso financeiro a ser usado para os cuidados com o seu pet”, explica a especialista.
Além disso, o tutor pode optar pela adoção legal antecipada, estabelecendo um acordo formal com um parente, amigo ou instituição para assumir a guarda do pet, incluindo cláusulas de suporte financeiro.
Importância do planejamento
De acordo com Adriana, a falta de planejamento pode deixar os animais vulneráveis, sem uma destinação clara. “Por isso, contar com orientação jurídica especializada é essencial para garantir que os desejos do tutor sejam cumpridos e que o pet tenha uma vida segura e digna”, declara.
Com o crescente número de pessoas que consideram seus animais parte da família, a tendência é que a legislação evolua para garantir formas mais seguras de ampará-los juridicamente.