Por Laura Brito*
Em 2024 o Congresso Nacional debaterá uma grande reforma do Código Civil. Após meses de intenso debate da comunidade jurídica sobre o que precisava avançar depois de 20 anos da lei, será entregue ao Legislativo um projeto ousado de mudanças no Código.
Um dos pontos que chamam a atenção é a relevância que os animais domésticos, chamados comumente pela expressão da língua inglesa – pets, recebem no contexto do Direito de Família. Segundo a proposta de artigo 1.510-H, mesmo que haja separação, as pessoas devem compartilhar, de forma igualitária o convívio e os encargos para com os filhos, bem como dos animais de companhia. A nova redação sugerida para o artigo 1.703 é de que o custeio das despesas com os animais de companhia será suportado, proporcionalmente, entre os tutores.
Neste artigo não pretendo enfrentar o debate da chegada dos animais domésticos no Direito de Família com a sua inserção de maneira a quase equipará-los aos filhos. Trata-se de uma condução bem delicada da questão, em um contexto em que crianças ainda têm muita dificuldade para receber pensão e ter cuidados devidamente compartilhados por seus pais.
O ponto aqui é a seriedade que se deve ter ao decidir ter um pet quando não se está em uma relação de família. Isso mesmo. Se antes era comum que os namorados presenteassem com bichos de pelúcia, o crescimento da cultura pet friendly fez ser cada vez mais comum o gesto de carinho de dar um cachorro muito desejado ou combinar, antes mesmo de dividirem a mesma casa, de partilharem o animal como “mãe de pet” e “pai de pet”.
Ainda que as propostas feitas sobre o tema para a reforma do Código Civil tratem da partilha de cuidados e gastos na dissolução do casamento, não há dúvidas de que essa discussão de estenderá para outras relações em que as partes decidiram ter um pet juntos. O compromisso de namoro é meramente social, mas, com um bicho de estimação em jogo, as responsabilidades podem durar por toda a vida do animal.
Isso sem falar que ser “pai e mãe de pet” pode ser determinante para tirar uma relação da qualidade de namoro para união estável. Às perguntas tradicionais para se verificar a existência dessa espécie de relação, quais sejam, se há conta conjunta, dependência em plano de saúde, vai se somar a questão: eram “pais de pet” juntos?
Por isso, as decisões que envolvem a acolhida de um animal de estimação na família ou em relação de namoro devem ser tomadas com muita cautela, pois a responsabilidade, inclusive jurídica, pode se prolongar muito tempo. A conversa sobre ter ou não um pet deve ir além da pergunta sobre quem vai levar para passear – a reflexão tem que se estender no tempo, ou seja, enquanto esse animal viver, estamos dispostos a nos responsabilizar juntos por ele?
Não tenho dúvida de que assistiremos um aumento considerável da judicialização das questões dos animais de estimação, em grave prejuízo de um Poder Judiciário já afogado em processos. Nesse sentido, as pessoas precisam ser ainda mais atentas pois, apesar da possibilidade de litígio, não é viável que Juiz algum resolva problemas da “paternidade pet” de maneira satisfatória para todos.
É preciso lembrar, mais do que nunca, que animal de estimação não é criança, mas também não é brinquedo.
*Laura Brito é advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões, possui doutorado e mestrado pela USP e atua como professora em cursos de Pós-Graduação, além de ser palestrante, pesquisadora e autora de livros e artigos na área.