Após ter participado da criação da performance Feminino Abjeto, de Janaina Leite, o artista cênico transmasculino Oliver Olívia criou uma série de espetáculos cênicos que partem de discussões sobre sua transição de gênero. Para Oliver, a ideia era mirar em lugares que trouxessem contradições. Foi dessa forma que nasceram Não ela: o que é bom está sempre sendo destruído, Ele e Culpa, os três componentes do Tríptico: Não ela, Ele e Culpa.
Oliver conta que o início do processo de criação que culminou na obra Não ela: o que é bom está sempre sendo destruído foi feito a partir de um dispositivo de escrita automática, um material criado a partir de textos feitos por Lucas Miyazaki, escritor e namorado de Oliver, sobre como ele estava lidando com o corpo de seu parceiro no momento da transição de gênero. A proposta foi convidar Lucas para o palco, criando cinco cenas que partiram das discussões e reflexões do casal, composto por um homem cisgênero e uma pessoa transmasculina.
Na sequência, já em uma etapa de transição marcada por mudanças expressivas em seu corpo por conta do uso de testosterona, Oliver criou Ele, uma peça sem texto composta por cinco imagens coletadas da convivência do artista com seu namorado Lucas. Nelas, ambos fazem a barba um do outro, praticam jiu-jitsu e discutem, por meio de outras ações, questões que tangenciam discussões sobre sexualidade e gênero, compondo uma obra de forte apelo visual.
Pensando que as duas peças criavam um díptico, Oliver concluiu que ainda havia outro estudo cênico a ser criado e, dessa vez, decidiu trazer ao palco Rosana e Eugênio, seus pais. Culpa é uma obra composta por cenas inspiradas nos embates e nas vivências familiares do artista disparadas pela mastectomia masculinizadora (retirada plástica dos seios) realizada por Oliver, sem que seus pais soubessem.
O artista reforça que todas as obras – criadas tendo base o biodrama, termo cunhado pela diretora argentina chamada Vivi Tellas que consiste na fricção da realidade com a ficção -, foram elaboradas em meio ao seu processo de transição de gênero e de hormonização, gerando assim trabalhos concebidos durante as mudanças aprofundadas que o processo de transição de gênero causou e causa em Oliver e nas pessoas ao seu redor, como sua família e seu companheiro.
“Há uma linha estética comum nos três espetáculos, como projeções de textos e jogos performativos que vão sendo executados de modos diferentes a cada sessão, e não por meio de cenas marcadas. Também não há uma trilha sonora num sentido muito convencional, de embalar alguma atmosfera. O que predomina também nos trabalhos é uma moldura teatral para algo não convencionalmente teatral”, conta Oliver, reforçando que um dos atravessamentos fundamentais nos trabalhos foi a leitura de Testo Junkie, obra do escritor e filósofo transmasculino espanhol Paul B. Preciado, que também foi concebido enquanto Paul fazia uso de testosterona.
Sinopses
Não ela: o que é bom está sempre sendo destruído – Um casal começa a morar junto ao mesmo tempo que um deles começa seu processo de transição de gênero. O namorado cisgênero então escreve um texto sobre suas questões que emergem no convívio com seu namorado trans. Esse texto é materializado no palco pelo casal em cena, através de cinco programas performativos.
Ele – Dois “eles”, um cisgênero e um transgênero, casados na vida real, se colocam num palco para juntos realizarem algumas ações e jogos performativos. São criadas imagens que remetem direta ou indiretamente a questões de sexualidade, gênero, existência e essência. Nesse percurso, surgem reflexões acerca do que é um homem, um “ele”, ou o próprio masculino. Essa peça foi criada quando o autor começou a usar testosterona.
Culpa – Uma pessoa transgênera e seus pais fazem uma peça de teatro no qual eles rememoram momentos de sua vida juntos, antes da pessoa transgênera fazer uma mastectomia masculinizadora (retirada plástica dos seios). Através de uma série de imagens, eles refletem sobre as tensões que habitam o relacionamento dos três frente às decisões estéticas e identitárias do filho trans.
Sobre Oliver Olívia
Artista cênico trans não binário. É mestrando no Laboratório de Práticas Performativas da ECA-USP, sob orientação do Prof. Marcos Aurélio Bulhões Martins, com bolsa CAPES. Em seu projeto pesquisa seu tríptico autobiográfico, e ministra aulas em disciplinas da graduação, a convite de seu orientador. É bacharel em filosofia pela FFLCH USP e ator pela SP Escola de Teatro. Dirigiu a peça “Não ela: o que é bom está sempre sendo destruído” (2021), em residência no Centro Cultural da Diversidade, e “Ele” (2021), vencedora do prêmio Coelho de Ouro do Júri para melhor espetáculo no 29º Festival Mix Brasil. Participou do 2º Festival Internacional Denise Stoklos de Solo Performance com a performance “Cabra” (2022). Participou da exposição “No amor livre, sexo é gratitude, afirmação de gênero e subjetividades” (2021), na Galeria Mola, em Braga, Portugal, com cinco pinturas e uma vídeo performance.
Integrou o Núcleo de Pesquisa de Estudos Sobre o Olho (2020–2021), sob orientação de Janaína Leite. Integra o projeto de teatro urbano USO (2021-2022), de André Capuano. Participou do Núcleo de Pesquisa Performatividades Transversais (2020), da Escola Livre de Teatro de Santo André, ministrado pela atriz, diretora e dramaturga Ave Terrena. Participou do espetáculo “Feminino abjeto” (2017-2020), direção de Janaína Leite, fruto do grupo de pesquisa com o mesmo nome, pelo Grupo XIX de Teatro. Foi selecionado pelo edital Arte como Respiro, pelo Itaú Cultural, na categoria “Literatura”, com a video performance “Poema para uma pós-quarentena possível” (2020). Dirigiu o show de samba “Intimidade” (2019), do ator e cantor Paulo Britto, sobrinho do ator Sérgio Britto. Integrou o Núcleo de Pesquisa em Estética Contemporânea da USP (2017- 2019). Realizou pesquisa de iniciação científica sobre teatro contemporâneo e performance, na área de estética contemporânea, com bolsa CAPES, sob orientação do Prof. Ricardo Fabbrini (2017-2019).
Sobre as convidadas
Dodi Leal
Professora de Artes Cênicas da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Porto Seguro e do PPGAC/UDESC, em Florianópolis. Líder do Grupo de Pesquisa “Pedagogia da Performance: visualidades da cena e tecnologias críticas do corpo” (CNPq/UFSB). Realiza estudos e obras artísticas de performance, iluminação cênica, crítica teatral, curadoria e pedagogia das artes. Doutora em Psicologia Social (IP-USP) e Licenciada em Artes Cênicas (ECA-USP). Dirige a série TEATRA da editora Hucitec.
Helena Vieira
Transfeminista, atriz e dramaturga. Co-autora dos livros “ História do Movimento LGBT no Brasil” organizado por James Green, Renan Quinalha, Marcio Caetano e Marisa Fernandes; o “ Tem Saída? Ensaios Críticos sobre o Brasil” organizado por Rosana Pinheiro Machado e outras; “ Explosão Feminista” organizado por Heloísa Buarque de Holanda. Atualmente é palestrante, consultora em Diversidade e Inclusão e colunista da revista Harper’s Bazaar.
Janaina Leite
Janaina Leite é atriz, diretora, dramaturga e pós-doutoranda pela Escola de Comunicação e Artes da USP. É referência na cena brasileira para a pesquisa dos “teatros do real” com trabalhos premiados como “Stabat Mater” (prêmio Shell de dramaturgia em 2020) e o projeto “ensaios escopofílicos” pesquisando a relação entre teatro e ponografia em trabalhos como “Camming 101 noites” e “História do Olho – um conto de fadas porno noir”. Linguagens híbridas, a perspectiva ob-cena que aproxima teatro e performance, arte e vida, fronteiras difusas entre práticas artísticas e práticas socio-culturais, interessam a sua pesquisa.
Seu trabalho vem atraindo interesse fora do Brasil e já esteve como convidada em países tais quais França, Espanha, Portugal, Chile e México. Atualmente, integra o programa de dramaturgos latino-americanos que compõem o projeto Bombom Gesell com estreia em fevereiro de 2023 no FIBA (Festival internacional de Buenos Aires) e é uma das artistas brasileiras escolhidas para a criação de um trabalho inédito para a edição “Voices from the South” do Festival de Edimburgo em 2023. Acaba de ganhar o edital “Arte no Metaverso” da importante instituição brasileira Itaú Cultural para o desenvolvimento de sua pesquisa sobre realidade virtual e estados limites do corpo e da consciência.
Fichas Técnicas – Tríptico: Não Ela, Ele e Culpa
Não ela: o que é bom está sempre sendo destruído
Direção e performance: Oliver Olívia
Dramaturgia e performance: Lucas Miyazaki
Dramaturgismo: Antonio Salviano
Provocação: Ave Terrena, Kenia Dias, Janaína Leite e Monica Montenegro
Iluminação: Harth Brito
Operação cênica: Marco Antonio Oliveira
Ele
Direção, dramaturgia e performance: Oliver Olívia
Performance: Lucas Miyazaki
Dramaturgismo: Antonio Salviano
Provocação de movimento: Letícia Sekito
Desenho de luz: GIVVA
Execução de luz: Harth Brito
Culpa
Direção, dramaturgia e performance: Oliver Olívia
Performance e contribuição para a dramaturgia: Eugênio Fernandes e Rosana Lagua
Dramaturgismo: Antonio Salviano
Provocação cênica: Lucas Miyazaki
Iluminação: Harth Brito
Identidade Visual e Design: Veni Barbosa
Mídias Sociais: Fernando Pivotto
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto
Produção: Corpo Rastreado – Leo Devitto
“Este projeto foi contemplado pela 16ª Edição do Prêmio Zé Renato — Secretaria Municipal de Cultura”
SERVIÇO
Tríptico: Não Ela, Ele e Culpa
Duração de cada peça: 60 minutos | Classificação indicativa: 18 anos
10 a 27 de agosto de 2023, quinta a domingo – quinta á sábado ás 20h, domingo às 18h
Local: Teatro Arthur de Azevedo (Sala Multiuso).
Endereço: Av. Paes de Barros, 955 – Alto da Mooca, São Paulo – SP, 03115-020
Não Ela – 10, 11, 17 e 24 de agosto
Ele – 12, 18, 19 e 25 de agosto
Culpa – 13, 20, 26 e 27 de agosto
Ingressos: ENTRADA GRATUITA – retirada de ingressos 1 hora antes de cada sessão
Capacidade: 30 lugares