Com o objetivo de investigar formas de indagação da realidade e as possibilidades de emancipação social, e assim estimular uma reflexão a respeito do nosso futuro como civilização, o Coletivo Comum estreia o espetáculo UNIVERSO. A peça aborda questões científicas e sociais contemporâneas, como a emergência climática, o especismo e as fake news, e segue em temporada até 7 de maio na Sala Espetáculos I do Sesc Belenzinho, com sessões às sextas e sábados, às 21h30, e aos domingos e feriados, às 18h30.
Há quase três décadas, o Coletivo Comum pesquisa estratégias cênicas e dramatúrgicas documentais e não psicológicas, neste trabalho partiu de textos considerados não teatrais, especialmente uma conferência proferida em 1994 pelo físico, astrônomo e astrofísico Carl Sagan (1934-1996). No processo criativo, o coletivo estabeleceu relações entre os temas tratados por esse material com obras como “A vida de Galileu”, peça escrita e reescrita por Bertolt Brecht entre os anos 1930 e 1950, e “Os irredutíveis”, do filósofo e ativista político Daniel Bensaïd, publicada em 2008.
“Galileu, embora atravessado por contradições – vários dos seus biógrafos e o próprio Brecht salientaram suas ambiguidades e fraquezas muito humanas – é um representante da luta contra a intolerância e a perseguição ao conhecimento livre. Ele, assim como Carl Sagan, três séculos e meio depois, são melhor compreendidos a partir do embate com a igreja e com outras tentativas de domesticação do pensamento. Já Bensaïd, filósofo e militante internacionalista, profundo conhecedor do Brasil, onde esteve por diversas vezes, é uma referência do movimento socialista desde sua participação nos eventos de maio de 1968, na França”, comenta o diretor Fernando Kinas.
Coube a Kinas olhar para todas essas contribuições e desenvolver o roteiro de UNIVERSO. A ideia nunca foi fazer uma biografia de figuras historicamente relevantes, mas apresentar processos sociais decantados em experiências concretas. O espetáculo se tornou um tratado cênico que utiliza e também reflete sobre o método científico, os obscurantismos e o projeto universalista. Para isso, justapõe, com bastante ironia, um Demiurgo irritado (com direito à túnica branca, barba branca e sandálias) e uma cientista-artista-filósofa.
Para o Coletivo Comum, é urgente mostrar as conexões entre a ciência e a vida cotidiana, procurando evitar a confusão entre opinião (doxa) e conhecimento (episteme), bem como a disseminação de informações do que Sagan chama de “pensamentos imperfeitos”. Em tempos de negacionismo sobre o Holocausto, a escravidão, o aquecimento global e a eficácia das vacinas, e de circulação massiva de teorias conspiratórias, isso é ainda mais importante.
“Usando um belo exemplo sobre os !Kung do deserto do Kalahari, mostramos como, em praticamente cada momento da vida das pessoas, a ciência está presente. A observação dos astros, por exemplo, é algo que existe desde as primeiras civilizações. É um exemplo de deslumbramento com o desconhecido, mas também de estudo sobre as estações do ano, com implicações diretas sobre a sobrevivência”, explica a atriz Fernanda Azevedo.
Sobre a encenação
Em cena, Fernanda Azevedo e Beatriz Calló – que também assina a pesquisa dramatúrgica e a assistência de direção – expõem e contrapõem argumentos sobre a necessidade do debate baseado em fatos e valores para a construção de conhecimentos mais sólidos sobre a realidade.
Para reforçar o caráter documental do trabalho, o público entra em contato com projeções de documentos históricos e imagens ficcionais, além de fotografias recentes produzidas por satélites e sondas espaciais. Artistas audiovisuais como Luiz Cruz (na primeira etapa de pesquisas) e Gabriela Miranda estão na origem destas propostas.
Outra grande referência para a composição imagética da peça é o cineasta Harun Farocki (1944-2014). Ao retratar o mundo do trabalho e suas consequências na organização da sociedade, o diretor questiona em que medida as máquinas são responsáveis pelo controle dos corpos e o cerceamento da imaginação.
Por todos esses elementos, o cenário de UNIVERSO apresenta um ambiente curiosamente neutro. Pode ser a superfície de Marte, mas também o ateliê de um mundo ainda em construção. Julio Dojcsar, cenógrafo e artista urbano, usou como referência o filme “Stalker” (1979), mas subverteu o mundo onírico de Andrei Tarkovski.
Já a iluminação assinada por Clébio Ferreira mescla o tom farsesco, com o de um show de variedades, com a sobriedade de um laboratório de ciências. O figurino é concebido por Madalena Machado, que tem vasta experiência com vestimentas para a dança contemporânea.
Por que levar o Carl Sagan para o teatro?
Dedicado a divulgar a ciência para um público não especializado, ultrapassando os muros das universidades Harvard e Cornell, onde trabalhava, Carl Sagan contribuiu – e muito – para a popularização do conhecimento. Ao longo da carreira, investigou temas relevantes, como o efeito estufa e a existência de vida extraterrestre.
Nesse sentido, um de seus mais notáveis trabalhos foi a série de TV Cosmos: Uma Viagem Pessoal, veiculada em 1980 em vista em 60 países. O astrofísico usava poesia e humor para expressar suas ideias, estimulando reflexões sobre nossa responsabilidade para com o planeta Terra e nossa insignificância diante do Universo. Sua clareza e despojamento fizeram o programa ser assistido por 1 bilhão de pessoas.
“Muito antes do período de emergência climática em que vivemos, questões envolvendo aquecimento climático, escalada nuclear, perda da biodiversidade e poluição química, já faziam parte das preocupações de Sagan”, conta Fernando Kinas. Para Sagan, a combinação entre poder econômico e ignorância científica representava um dos maiores riscos para a sobrevivência do planeta – tópico ainda mais relevante em um momento de disseminação de informações falsas e oligopólio das mídias tradicionais. Por isso, o cientista empreendia uma intensa luta contra os “pensamentos descuidados”, os charlatanismos e os auto enganos.
“No nosso dia a dia, somos esmagados pela precariedade do trabalho, pela ignorância, pela violência e por uma série de outras questões que nos impedem de pensar sobre nós mesmos. Por isso, convidamos os espectadores a usar o espaço do teatro como um local de aprendizado. Não queremos apresentar para eles uma verdade absoluta, mas oferecer um momento ao público para que ele possa pensar sobre coisas que ainda não foram bem pensadas, e que, embora influenciem suas vidas, talvez não estejam no centro das suas preocupações”, afirma Fernanda.
Sinopse
Inspirado nas obras de Carl Sagan, Bertolt Brecht e Daniel Bensaïd, e com uma ampla pesquisa de imagens, UNIVERSO aborda temas como o método científico, os obscurantismos e o projeto universalista. O resultado é uma experiência teatral que investiga nossa maneira de indagar o mundo e de pensarmos sobre nós mesmos e nosso futuro como sociedade. Neste trabalho, proposto pelo Coletivo Comum, estão em cena Beatriz Calló e Fernanda Azevedo (Prêmio Shell de 2013), com direção de Fernando Kinas.
Ficha Técnica
Roteiro e direção: Fernando Kinas
Texto livremente inspirado na obra de Carl Sagan, Bertolt Brecht e Daniel Bensaïd
Assistência de direção e pesquisa dramatúrgica: Beatriz Calló
Elenco: Beatriz Calló e Fernanda Azevedo
Produção: Patricia Borin
Iluminação: Clébio Ferreira (Dedê)
Pesquisa de imagens e vídeo (primeira fase): Luiz Cruz
Vídeo final: Fernando Kinas e Gabriela Miranda
Cenário: Julio Dojcsar
Figurino: Madalena Machado
Programação visual: Camila Lisboa (Casa 36)
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto Comunicação | Márcia Marques
Realização: Coletivo Comum
Serviço
UNIVERSO
Até 7 de maio de 2023, às sextas e sábados, às 21h30, e, aos domingos e feriados, às 18h30
Local: Sesc Belenzinho – Sala Espetáculos I – Rua Padre Adelino, 1000 – Belenzinho – São Paulo – SP
Ingressos: R$ 30,00 (inteira), R$ 15,00 (aposentado, pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e servidor da escola pública com comprovante) e R$ 10,00 (trabalhador do comércio de bens, serviço e turismo credenciado no Sesc e dependentes)
Duração: 90 minutos | Classificação: 14 anos