A adaptação, agora na linguagem de vídeo, demandou que o trabalho fosse remontado e filmado numa sala de exposições do Centro Cultural São Paulo. “A pesquisa de dança passava pelas artes plásticas e, nessa nova versão, exigiu também que passássemos pela linguagem artística audiovisual”, lembra Hernandes de Oliveira, diretor de arte. A pesquisa para a confecção do espetáculo, cuja dramaturgia é amparada nas ações de um corpo afetado pelo ambiente e o tempo da apresentação, busca traçar um paralelo entre a dança e as artes visuais.
Nesta versão online, uma nova figura histórica também passou a fazer parte das inspirações do grupo: trata-se de Vivian Maier, fotógrafa norte-americana que se especializou na chamada street photography. Por muito tempo ela trabalhou como babá, embora andasse sempre acompanhada de uma câmera, que usava durante seus passeios, registrando a vida em Chicago secretamente. Seu trabalho como fotógrafa foi ignorado em vida e, após sua morte, foram encontradas centenas de vídeos e fotos que se tornaram material de referência na área da fotografia. “O trabalho de Vivian com sombras, enquadramentos e desaparecimentos tem tudo a ver com a nossa pesquisa e com a conversão do trabalho em vídeo”, conta Eliana.
A artista conta que esse trabalho, assim como os demais da E² Cia de Teatro e Dança, assume um lugar processual, de desenvolvimento mesmo após a estreia, absorvendo assim novas informações que sejam relevantes para a construção artística. Em Agnes & Alice, o assunto do desaparecimento se dá tanto pelas escolhas das artistas quanto pelos elementos cênicos.
Agnes Martin e Alice Coltrane escolheram o isolamento e a busca interior para trabalhar em suas respectivas obras. No espetáculo, a busca pelo esvaziar-se (no sentido simbólico que os poetas e místicos dão a esta expressão) resulta na construção de um corpo/espaço traduzidos como permanência, feminino, vazio, desaparecimentos.
Agnes Martin foi uma pintora americana nascida no Canadá cuja obra foi definida como um “ensaio com discrição sobre interioridade e silêncio”. Martin é considerada uma referência para a pintura abstrata minimalista e seu caminho foi marcado por uma vida dedicada à solidão, o que se reflete em suas obras, influenciadas pela filosofia zen e que apontam para um lugar de desaparecimentos.
Alice Coltrane foi uma artista negra americana, pianista reconhecida como um dos grandes nomes do jazz e da música instrumental, e que, em dado momento, aderindo ao hinduísmo, guiou sua própria sonoridade na direção de escalas e estruturas cada vez mais orientais – apontando para a natureza religiosa que seria o norte de sua vida até seu desaparecimento – criando uma música de ligação com o divino.
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“As duas artistas saíram do turbilhão, se recolheram. Elas escaparam do circuito social em direção ao interior delas mesmas e isso refletiu nas suas obras”, conta Eliana. Alice Coltrane, cuja música também inspira a trilha e a fisicalidade de Agnes & Alice, ocupa um lugar poético e sonoro representado por um jazz tênue, com uma presença forte da harpa. Já Agnes é criadora de obras que exigem uma apreciação mais aprofundada. “Para você ver o que ela cria, é preciso se aproximar”, reforça Eliana. Em ambas, o desaparecimento no sentido poético fez parte de suas trajetórias.
A obra, que faz parte do repertório da E² Cia de Teatro e Dança, estreou em março de 2019 no Centro Universitário Maria Antônia como parte do evento Corpo-instalação. O tempo de duração da peça estava condicionado ao horário da galeria e o público podia visitar a instalação e permanecer o tempo que desejasse. A intérprete Eliana de Santana ocupava o espaço em horários previamente divulgados.
A pesquisa artística realizada pelo grupo está alicerçada em dois modos de operação: o anônimo como tema, ou seja, aquele que tende a ser invisibilizado e a ocupar papéis restritos e pré-determinados na sociedade contemporânea, e acasos na criação, pois o acaso propicia arranjos, composições e formas distintas do habitual, o que permite, entre outras coisas, camadas maiores de consciência do movimento e da corporeidade. A estratégia de criação se dá também em outros trabalhos da companhia, como Dos prazeres, A Emparedada da Rua Nova e … e das outras doçuras de deus, obra com a qual Eliana recebeu, em 2011, o Prêmio APCA na categoria Intérprete Criador em Dança.
Sobre a E² Cia de Teatro e Dança
A E2 Cia de Teatro e Dança, dirigida por Eliana de Santana, é um núcleo atuante na cidade de São Paulo desde 1996. Realiza uma pesquisa em dança contemporânea que tem como ponto de partida a referência/inspiração na literatura brasileira e na obra de diversos artistas visuais, investigando poéticas ligadas à temática do sujeito anônimo.
Artista da cena, intérprete e coreógrafa, Eliana da Santana iniciou-se no teatro em 1984, estudando e trabalhando com diretores como Antunes Filho (CPT), Antônio Abujamra (no espetáculo “A Serpente”) e Gerald Thomaz (no espetáculo “Un Glauber”). Em 1996 estreia “Tragédia Brasileira”, seu primeiro trabalho autoral de dança, inspirado em texto homônimo de Manuel Bandeira, pesquisa que teve apoio da Bolsa Rede Stagium. Criou o solo “Das Faces do Corpo”, inspirado na obra fotográfica de Arthur Omar, pesquisa contemplada com a Bolsa Vitae de Artes.
Em novembro de 2006 estreia o trabalho “Francisca da Silva de Oliveira – Chica da Silva – Um Esboço”, pesquisa contemplada com o Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna. Em 2008/2009, Eliana de Santana cria “… e das outras doçuras de deus”, inspirado em crônicas de Clarice Lispector. Com este espetáculo Eliana recebeu em 2011 o Prêmio APCA na categoria Intérprete Criador em Dança.
FICHA TÉCNICA
Direção geral e Interpretação: Eliana de Santana
Direção de arte e edição de vídeo: Hernandes de Oliveira
Captação de imagens: Priscila Magalhães (no Centro Cultural São Paulo), Hernandes de Oliveira e Eliana de Santana
Produção: E² Cia de Teatro e Dança e Associação Cultural Corpo Rastreado
SERVIÇO
Agnes & Alice
Temporada: Até 24 de Agosto, em tempo integral
Acesso: Youtube do Portal Mud youtube.com/museudadanca
Duração: 30 minutos
Classificação indicativa: Livre