Com destaque para as dramaturgias ibero-americanas, o Grupo Matula de Teatro, de Campinas, encena pela primeira vez na cidade de São Paulo o premiado espetáculo Como se Fosse, uma adaptação do texto Como si Fuera Esta Noche, da autora espanhola Gracia Morales. O trabalho pode ser conferido no Auditório do Sesc Pinheiros entre os dias 16 de novembro e 16 de dezembro, de quinta a sábado, às 20h.
A peça estreou em março de 2020 no Sesc Jundiaí e circulou pelo interior e litoral de SP, pelo Rio Grande do Norte e ainda fez temporadas online pelo programa Em Casa com Sesc. Sua bem-sucedida trajetória incluiu as premiações de Melhor Espetáculo, Melhor Direção (Verônica Fabrini), Melhores Atrizes (Alice Possani e Erika Cunha), Melhor Trilha Sonora (Dudu Ferraz), Melhor Iluminação (Eduardo Albergaria), Melhor Texto (Matula Teatro e Gracia Morales) e Melhor Cenografia (Eduardo Albegaria) no FestKaos, mostra competitiva que acontece em Cubatão. O júri do evento é formado por Alexandre Mate, José Cetra Filho e Eliel Ferreira.
Na trama, duas mulheres da mesma família separadas temporal e espacialmente por 18 anos compartilham histórias de violência doméstica que seriam facilmente encontradas em jornais. Uma delas conversa com a filha, que brinca entre as costuras da mãe, enquanto a outra ensaia com um gravador as palavras que vai dizer para alguém que ainda não chegou.
“Um ponto interessante do texto de Gracia Morales é o fato dele abordar todo o ciclo da violência doméstica, que passa por palavras rudes, atos de amor e promessas de mudança. Entretanto, sentimos falta de uma abordagem mais social e menos particular do problema. Por isso, como traduzimos a dramaturgia, tomamos a liberdade de fazer algumas alterações no original, incluindo a inserção de dados estatísticos sobre casos de violência doméstica no Brasil, já que o país ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio e o primeiro em transfeminicídio”, comenta a atriz Alice Possani.
Para o Grupo Matula, foi chocante perceber semelhanças entre um texto ficcional escrito na Espanha no começo dos anos 2000 e a realidade brasileira atual. E, de acordo com as pesquisas do coletivo, há um agravante que faz com que muitas mulheres não consigam se libertar: a violência doméstica muitas vezes acontece nos espaços privados dos “lares”, o que dificulta a mulher pedir ajuda, seja por vergonha, por medo de que algo pior aconteça à ela ou aos seus filhos ou ainda, por falta de recursos financeiros, o que torna a mulher completamente dependente do seu agressor.
Há também uma barreira cultural que impede a prevenção desse tipo de crime: as crenças de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” e de que “roupa suja se lava em casa”.
“Como a nossa intenção é criar uma conexão intensa com a plateia, gerando empatia por aquelas personagens, o texto se alterna entre momentos de humor e leveza e situações de tensão. Esse respiro é necessário para não afugentar a plateia”, conta Alice.
Sobre a encenação
A encenação transita entre os diferentes pontos de vista que compõem as relações dessas personagens: sutilezas entre mãe e filha, encontros e desencontros de um casal, relação de proximidade e de afastamento entre pai e filha e a perspectiva sobre uma experiência vivida que se transforma com o tempo.
Toda a ação acontece de uma maneira cíclica. E essa sensação é potencializada por diferentes recursos cênicos. Existe, por exemplo, a repetição dos nomes das mulheres da mesma família, uma mãe que sempre perde seu dedal de costura, brigas que acontecem costumeiramente às sextas e dias de amor nas terças.
As atrizes Alice Possani e Erika Cunha revezam-se nos papéis de mãe e filha. Os espectadores, então, acompanham uma narrativa entrecortada por memórias, capaz de evidenciar as camadas cada vez mais complexas de sentimentos que atravessam essas relações familiares. Na verdade, o público acompanha a luta da personagem mais nova para interromper o ciclo da violência.
Em relação ao figurino, a proposta da Anna Kühl foi intensificar os aspectos de memória e transgeracionalidade contidos na dramaturgia, através da reutilização e/ou transformação de peças para a composição dos figurinos. Um detalhe significativo são as golas altas presentes nas blusas utilizadas pelas atrizes, remetendo a uma sensação de sufocamento.
A trilha sonora, inédita, foi composta por Dudu Ferraz especialmente para o espetáculo. A partir de um diálogo constante com a atuação, a trilha ora propõe atmosferas e ora estabelece um jogo direto com as atrizes, constituindo uma forte presença na cena.
A iluminação e a cenotecnia são de Eduardo Albergaria. O caráter minimalista do cenário é reforçado por um jogo de luz e sombras que valoriza os elementos presentes em cena. A iluminação se instaura em um diálogo sutil com a trilha sonora e com os diferentes climas que a dramaturgia sugere.
E, para reforçar a dimensão social da temática, o Matula acrescentou um grande varal em que ficam penduradas roupas com os nomes de mulheres vítimas de feminicídio da Região Metropolitana de Campinas, local de origem do grupo. Os nomes bordados nestas roupas são uma homenagem a cada uma delas.
Sinopse
Duas mulheres, separadas por 18 anos no tempo e espaço, vivem vidas distintas. Enquanto uma delas interage com sua filha enquanto costura, a outra aguarda alguém e grava palavras no silêncio. Com o tempo, uma história de violência se desenrola, com alternâncias entre divergência e carinho, palavras rudes e atos de amor. Esse padrão, aparentemente circular, revela-se, na verdade, uma espiral, com a violência aumentando gradualmente.
Sobre o Grupo Matula de Teatro
O Grupo Matula Teatro é um coletivo de artistas que integra a cena artística de Campinas (SP). Realiza, desde 2000, atividades fundamentadas no trabalho do ator que incluem diversos aspectos do fazer teatral: criação e circulação de espetáculos, ações formativas de curta e média duração e gestão do Espaço Cultural Rosa dos Ventos, sede do grupo.
Para as criações artísticas, o grupo já teve como ponto de partida o diálogo com pessoas em situação de rua de Campinas, mulheres que vivem em assentamentos rurais, famílias de pequenos circos e refugiados saharauis, que resultaram em espetáculos com dramaturgias inéditas. A interface com a literatura também gerou criações que tiveram como ponto de partida a adaptação de contos de Hilda Hilst, Mia Couto, e Júlio Cortázar.
Sobre a Gracia Morales
A dramaturga e poeta Gracia Morales é cofundadora da Remiendo Teatro, um grupo sediado em Granada, na Espanha, que já encenou nove espetáculos a partir de seus textos. Doutora em Filologia Hispânica e professora de literatura na Universidade de Granada, ela publicou mais de 20 peças teatrais traduzidas para diversos idiomas.
A autora já recebeu diversos prêmios, incluindo o Marqués de Bradomín, dedicado a jovens dramaturgos. Gracia também tem cinco livros de poesia publicados. Participa regularmente de encontros sobre teatro e ministra oficinas de escrita teatral.
Ficha Técnica
Atuação: Alice Possani e Erika Cunha
Direção: Verônica Fabrini
Dramaturgia de Grupo Matula Teatro, a partir do texto de Gracia Morales
Trilha sonora: Dudu Ferraz
Técnica de som: Quesia Botelho
Iluminação e cenotecnia: Eduardo Albergaria
Técnico de luz: Presto Kowask
Produção local: Aflorar Cultura
Figurinos: Anna Kühl
Provocações temáticas: Stella Fisher
Fotos: Maycon Soldan e Paula Poltronieri
Assessoria de imprensa: Canal Aberto
Realização: Sesc Pinheiros
Idealização: Grupo Matula Teatro
SERVIÇO
Como se Fosse
De 16 de novembro a 16 de dezembro de 2023, de quinta a sábado, às 20h.
Local: Auditório do SESC Pinheiros – 3º andar.
Endereço: Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, São Paulo, SP.
Ingressos à venda no site: https://www.sescsp.org.br/programacao/como-se-fosse-3/ ou na bilheteria das unidades Sesc.
Valores: 40 (inteira), 20,00 (meia-entrada) e 12 (credencial plena).
Indicação etária: 16 anos.
Duração: 60 minutos.