O FICA, fundo imobiliário para propriedade comunitária que viabiliza aluguéis acessíveis de moradias para famílias de baixa renda do Centro de São Paulo, lança o Projeto Compartilha.
A iniciativa contempla modelos financeiro, jurídico, administrativo e social, baseados em investimentos de impacto social e visando à aquisição de imóveis para destinação a pessoas moradoras de cortiços na região, estabelecendo-os como uma casa compartilhada.
A operacionalização inclui a reforma das casas para produzir um ambiente de qualidade e de salubridade, respaldados por contratos de locação que impeçam reajustes e despejos arbitrários, e a diminuição dos aluguéis pagos, redução que pode chegar a 30% em relação à média de aluguel em cortiços e pensionatos no bairro, conforme levantamento realizado pelo Fundo Fica.
De acordo com Roberto Fontes, coordenador do Compartilha, o modelo é inédito no Brasil por introduzir a figura do proprietário social não especulativo (quando o dono do imóvel não prioriza o lucro e destina sua operação para demandas sociais), a partir de investimentos de impacto social.
O projeto faz parte da Wealth Inequality Initiative, rede global de esforços destinados ao combate a desigualdades sociais, que engloba iniciativas de nove países. No Brasil, foi acelerado no LabHabitação, da Artemísia, em 2020, escolhido dentre mais de outras 1.000 ações.
Cortiço – investimento imobiliário mais lucrativo da cidade
Segundo dados da SEADE/2004, registrados no relatório geral do Programa de Atuação em Cortiços do governo de São Paulo, cerca de 160 mil famílias, ou aproximadamente 596 mil pessoas, viviam em cortiços na região central de São Paulo, o que correspondia a 6% da população do município. Segundo Fontes, os cortiços representam atualmente um dos investimentos imobiliários mais lucrativos da cidade, com o metro quadrado valendo o dobro da mesma metragem em uma moradia formal em igual região.
Ele cita o exemplo de um quarto de 12 m² com banheiro compartilhado em um cortiço no bairro do Glicério, cujo aluguel pode custar R$ 800, equivalente a 80% do salário mínimo. Para o proprietário, o retorno é significativamente lucrativo, uma vez que o aluguel rende até 2% ao mês. “O m² de um cortiço no centro pode ser mais caro que de um apartamento de classe média alta em São Paulo”, cita.
Para Fontes, o alto faturamento contrasta com o péssimo estado da maioria dos edifícios, sem retorno na qualidade da construção, segurança de posse ou qualidade de vida. “Além disso, os inquilinos não são protegidos por direitos legais e são frequentemente ameaçados com despejos. Uma parcela significativa de cortiços é precária e superlotada, e os valores abusivos cobrados aos inquilinos alimentam o ciclo vicioso de violação de direitos”, destaca.
“A proposta do Compartilha busca interromper esse ciclo com a captação de recursos para a compra de imóveis, reforma e destinação a moradores de cortiços de forma não especulativa, garantindo uma moradia justa a uma população historicamente excluída do acesso ao mercado imobiliário”, completa.
Como vai funcionar
Ao contrário de outros projetos conduzidos pelo Fundo FICA, a captação de recursos do Compartilha não será feita por meio de doações. O modelo é baseado em investimento de impacto social com retorno financeiro. A rentabilidade inicial será de 4% ao ano em até 10 anos, a depender do valor do imóvel.
O financiamento coletivo acontece com valores a partir de R$ 10 mil e é garantido pelo próprio imóvel. “O perfil do investidor é aquele que, primeiramente, terá orgulho do impacto de seu dinheiro na vida de outra família. O retorno financeiro é um segundo aspecto”, explica Fontes.
Todo o processo, desde a captação de recursos até a gestão predial, é feito pelo Fundo FICA, cuja diretoria é composta por arquitetos, urbanistas, engenheiros, advogados e profissionais de comunicação, entre acadêmicos e profissionais dos respectivos mercados.
Primeira casa já pronta
Um primeiro imóvel foi adquirido como parte do projeto piloto da iniciativa. O imóvel contou com o financiamento de um grupo inicial de investidores e será alugado para três famílias que pertencem a uma cooperativa de costureiras e que hoje residem em cortiços no bairro do Bom Retiro. A mudança das famílias está prevista para novembro.
A casa é a primeira de um cronograma que pode viabilizar lares seguros para outras famílias. Segundo Fontes, os esforços estão concentrados em oferecer novos lares para até 50 famílias em 2025, em uma primeira fase do projeto. No entanto, salienta que o objetivo é produzir mudanças qualitativas. “O Compartilha vai apresentar modelos de tecnologia social e de investimento de impacto social para a aquisição dos espaços, além de alternativas de habitação, de financiamento e de modelos jurídicos com potencial para demonstrar para o Estado a viabilidade de políticas públicas que saiam do convencional, que estão majoritariamente baseadas na transferência de propriedade privada, que é a venda de imóveis”, frisa.
“Países como Holanda, Áustria e Inglaterra têm tradição em propriedade social não especulativa, já com resultados maduros e com muita relação com as políticas públicas. Na Holanda, por exemplo, cerca de 75% dos 3 milhões de imóveis alugados estão em propriedade de associações de moradia. Precisamos potencializar e colocar em prática essa temática também no Brasil, o que vai acontecer inicialmente na região central de São Paulo”, completa.
Mais informações em Fundo Compartilha Investimentos – FICA (fundofica.org)