Tecnologias supérfluas a serviço de indivíduos mimados, exploração de classes, neoliberalismo escancarado e o afeto tratado como moeda de troca são alguns dos temas tocados pelo livro de estreia de Diogo Locci, Cruel, lançado em setembro de 2021 pela editora Folhas de Relva.
Na obra, os assuntos estão amparados pelo absurdo e pelo realismo mágico, criando uma atmosfera que se alterna entre o terror, o fantástico e o non-sense. O livro conta com ilustrações criadas pela artista plástica Liz Under e prefácio assinado pela escritora, dramaturga e mestre em Literatura e Crítica Literária Priscila Gontijo. A ilustração da capa é a tela Pássaro preto, do editor, escritor e artista plástico Alexandre Staut.
Ainda que os contos de Cruel sejam independentes, todos estão rodeados por situações abusivas de poder expressadas por várias instâncias: desde a afetiva e familiar até a política e trabalhista.
Sobre o tratamento fantástico dado às tramas, o autor comenta: “Procurei levar situações flagrantes de abuso de poder a um certo topo do absurdo. Quando localizado ali, me senti mais à vontade para ficcionalizá-las, criando histórias de terror social expressadas por meio de animais falantes, corpos de formas impossíveis e outros recursos fora do real”.
Diogo ressalta que alguns livros marcantes no processo de escrita da obra foram Pássaros na Boca, de Samantha Schweblin; Bartleby, O Escrivão, de Herman Melville; e Gran Cabaret Demenzial, de Verônica Stigger.
Cruel marca a estreia solo de Diogo Locci na literatura brasileira – antes, o autor figurava em antologias e produções coletivas. Jornalista atuante na área de assessoria de imprensa cultural, já frequentou uma série de oficinas de escrita criativa e criação literária com nomes expoentes da literatura brasileira, como Andréa Del Fuego, Marcelino Freire, Adriana Lisboa, Júlian Fuks, Noemi Jaffe e Evandro Affonso Ferreira, entre outros.
O livro está em pré-venda pelo site da editora Folhas de Relva e em breve estará disponível em livrarias e por meio de encomendas com o autor pelo e-mail diogolocci@gmail.com.
Ilustrações
O livro conta com ilustrações da artista plástica Liz Under. Nos 18 desenhos criados por ela, a artista une sua atmosfera criativa aos temas de Cruel. “As ilustrações foram concebidas em 2017, durante minha passagem por Salvador-BA, aos 21 anos de idade. Durante esse processo de concepção criativa, eu e o autor conversávamos sobre sonhos que tivemos, alguns dos quais usei como inspiração para a composição das ilustrações do Cruel, como por exemplo no conto Quem você pensa que é para subir as escadas de Teleios?“, conta a artista. Liz ressalta que as obras também tiveram forte referência em Francisco de Goya, em especial no quadro Saturno Devorando Um Filho. “O absurdo, o grotesco e o bestialismo, muito presentes nas fábulas, também estiveram presentes no processo criativo”, complementa. As ilustrações foram criadas a partir de desenhos e pinturas em spray, feitas em técnica mista digital e analógica.
Os elementos de pesquisa de Liz têm como base a arte alegórica e a mitologia, em especial aquela que diz respeito às aves (sereias, harpias, esfinges) e ao bestialismo, sua relação com a animalidade, o erótico, além do desmembramento e manifestações da violência interna, como o sangue, as veias e as vísceras. “O livro Cruel tem grande afinidade com essas criaturas geradas através de um ato violento e visceral, que surgem da criação; minha produção busca através do universo onírico esses elementos viscerais”, finaliza.
Trecho do prefácio assinado por Priscila Gontijo
Flertando com a ficção científica, Cruel aborda questões da sociedade moderna, vivenciadas em um presente alternativo ou projetadas em um futuro distópico. As narrativas são povoadas por seres fantásticos como elefantes marinhos, jacarés mafiosos, carros falantes ou seres humanos com poderes sobrenaturais. Essas criaturas emergem a fim de dar notícia não de um planeta distante ou de um outro tempo, mas para exibir ao leitor as deformações do tempo presente na Terra, com o que há de mais grandioso e terrível por aqui. O monstro surge como aquele mostra, que revela, que traz o sinal divino, mesmo que sob a máscara horrenda.
Especulação imobiliária, machismo, abuso de poder, desigualdade social, consumismo desenfreado e regimes totalitários irrompem como modos de revelar o autoritarismo que se enreda nas relações profissionais, pessoais e familiares. Ao levar as contradições do presente ao paroxismo, Locci mostra como esta década desempenha um papel decisivo nas narrativas futuras, servindo de leitmotiv para um alvorecer ainda menos promissor.
Se por um lado, a visão pessimista de um escritor tão jovem impressiona, por outro, a linguagem poética exibe ritmos, humor e personagens carregados de beleza. Alguns procedimentos de escrita, como o uso de ironia, a linguagem oral combinada a linguagem refinada e as elaborações imagéticas munidas de lirismo fazem deste livro uma obra perturbadora e necessária.
Sobre o autor
Diogo Marins Locci, 27 anos, é jornalista especializado em literatura contemporânea, com ambas as formações concluídas pela Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes (SP). Radicado em São Paulo, atua na área de assessoria de imprensa de cultura, atendendo a espetáculos de teatro, dança, exposições, música, literatura, performance e programação geral de instituições e espaços culturais. Como escritor, já teve contos publicados em coletâneas e antologias. Cruel é seu livro de estreia.
Sobre a ilustradora
Liz Under é uma artista visual nascida em Araraquara-SP. Trabalha com mídias variadas que vão desde a fotografia, pintura, desenho e gravura, desenvolvendo uma pesquisa ao longo dos anos relacionada ao desmembramento e suas criaturas na mitologia, a dissolução da identidade e o bestialismo. Frequentou as Oficinas de Litogravura do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA, Salvador-BA) em 2018, participando no mesmo ano da 5ª Bienal Internacional de Gravura Lívio Abramo (Araraquara-SP) com litografias que agora compõem o acervo da Pinacoteca Mário Ybarra de Almeida (Araraquara-SP).
Seus trabalhos e intervenções urbanas, reconhecidos nacional e internacionalmente, já passaram pela Galeria Transarte (São Paulo, Capital), Festival Feminista de Lisboa (Portugal), Sesc Araraquara, Sesc Ribeirão Preto, La Pan Galeria (Chile), Kleió Collective (Londres, UK), Galeria Cañizares (Salvador-BA) e Online Performance Festival (Nova Iorque). Também em 2020, foi contemplada com a Lei Aldir Blanc na categoria artes visuais.
Serviço
Cruel, de Diogo Locci
Editora Folhas de Relva
134 páginas | R$ 45,90
editorafolhasderelva.com.br
Contato do autor
E-mail: diogolocci@gmail.com
Instagram: @diogolocci