Quantas espécies de animais e microrganismos podem viver em uma residência localizada em uma grande metrópole como São Paulo (SP)? Como nossas ações e hábitos individuais influenciam esse ecossistema de espécies urbanas? Para responder a essas perguntas e entender toda a complexidade de seres que habitam as casas da capital paulista, o ecólogo Raul Costa Pereira, pesquisador da Unicamp, foi um dos selecionados pela 4ª chamada pública de apoio à ciência do Instituto Serrapilheira, primeira instituição privada, sem fins lucrativos, de fomento à ciência no Brasil.
Durante três anos ele receberá um financiamento da instituição de R$ 570 mil para investigar a enorme heterogeneidade de organismos do mosaico doméstico paulistano influenciado pela ação humana. A partir da uma técnica conhecida como DNA ambiental, o pesquisador vai colher amostragens, como poeira, para identificar seres que ficam invisíveis ou escondidos aos nossos olhos.
“Outra ferramenta que vamos usar são os isótopos estáveis, que nos permitem analisar as fontes de alimentação dos animais, incluindo aranhas, formigas e seres ainda menores. Com isso, reconstruiremos cadeias alimentares inimagináveis a olho nu”, explica Pereira. Segundo o ecólogo, essas análises têm o objetivo de mensurar as diferenças na biodiversidade dos mais variados perfis de residências. “Vamos entender ponto a ponto o que muda na composição de uma casa com jardins em comparação com ambientes domésticos sem plantas e mais pavimentados”, esclarece.
De acordo com o cientista, as informações que o estudo pretende obter ainda podem ter impactos na economia e na saúde, ao identificar pragas que podem causar danos às construções ou espécies responsáveis por doenças como alergias e infecções.
Influência da pandemia
Pereira começou a formular o projeto intitulado “Ecos da diversidade social e desigualdade na biodiversidade” ao ficar mais tempo em casa por causa da pandemia de covid-19. Foi quando passou a observar as interações que acontecem dentro dos ecossistemas residenciais.
Além de servir como um estalo inicial, o coronavírus foi o motivador para outro eixo do estudo. “Vamos pesquisar locais como a Unicamp, onde por quase sessenta anos sempre existiu uma circulação intensa de pessoas. Com essa interrupção abrupta na pandemia, vimos que algumas espécies como as formigas, que necessariamente dependiam de açúcares de restos de comida para se alimentar, mudaram a sua dieta a partir de outros recursos diferentes dos trazidos pelas pessoas que frequentavam o local”, revela o pesquisador.
Projetos ousados
É justamente essa originalidade que chamou a atenção no projeto do ecólogo, um dos 12 selecionados em meio a 505 inscritos na 4º chamada pública de apoio à ciência do Instituto Serrapilheira, que destinará um recurso total de R$ 6,6 milhões para os pesquisadores escolhidos e suas equipes. O objetivo da organização é financiar cientistas que desenvolvam projetos de pesquisa fundamental inéditos e ousados, mesmo que envolvam estratégias de risco. Para receber apoio, é necessário que a pesquisa traga uma contribuição nova, não sendo uma repetição de iniciativas anteriores, além de passar por um processo de seleção que inclui entrevistas com revisores internacionais.
Segundo Cristina Caldas, diretora de ciência do Instituto Serrapilheira, o edital visou selecionar um portfólio diverso de projetos que combinam excelência científica com diferentes graus de risco. “Formar cientistas custa caro e leva tempo. Precisamos garantir que os talentos já formados, cuja excelência ficou evidente na seleção, tenham acesso contínuo a recursos”, afirma Caldas. “Acreditamos que apoiar jovens pesquisadores no início de suas carreiras, com recursos de longo prazo e flexíveis, quando estão montando suas equipes e laboratórios, é um modelo que merece ser amplificado por outras organizações.”
Sobre o Instituto Serrapilheira
O Instituto Serrapilheira é primeira instituição privada, sem fins lucrativos, de fomento à ciência no Brasil. Criado para valorizar o conhecimento científico e aumentar sua visibilidade, além de fomentar uma cultura de ciência no país, a instituição atua com dois focos principais: ciência e divulgação científica. No âmbito da ciência, o Serrapilheira, além de identificar e apoiar pesquisas de excelência de jovens cientistas, promove treinamentos e eventos de integração. Quanto à divulgação científica, o instituto identifica e dá suporte a projetos profissionais de jornalismo e mídia. Desde sua criação, o Serrapilheira já apoiou 127 projetos de pesquisa e 55 projetos de divulgação científica, nos quais foram investidos mais de R$ 40 milhões oriundos de um fundo patrimonial de R$ 350 milhões.