O cenário econômico é, por natureza, volátil e dinâmico. Economistas frequentemente veem suas previsões serem confrontadas por elementos da realidade que simplesmente subvertem expectativas e viram de cabeça para baixo a percepção até de quem dedicou a vida estudando estas variáveis. A pandemia global de COVID-19 é um bom exemplo disso: enquanto boa parte do mundo passou a lidar com as consequências de uma pesada recessão econômica em função dos problemas e restrições impostas pelas estratégias sanitárias de contenção do vírus, certos segmentos comerciais viram seus números crescer. Este é o caso do setor de materiais de construção, área que registrou crescimentos significativos de vendas tanto no atacado quanto no varejo em plena pandemia.
Segundo levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/ Ibre) e apresentado pela Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) o setor de varejo do segmento registrou um crescimento de 11% em 2020, ano em que os casos de COVID-19 explodiram no País. Isso equivale a um aumento de faturamento equivalente a R$ 132,06 bilhões. Em 2021 o setor também cresceu: foi registrado faturamento de R$ 202 bilhões, números 4,4% maiores aos do primeiro ano da pandemia.
Embora tal aumento fosse imprevisível antes de entendermos a forma como a pandemia afetaria nossa sociedade, esta foi uma tendência relativamente clara na medida em que pesquisadores sociais passaram a observar o comportamento de moradores de cidades de grande e médio porte: temendo os riscos da exposição social, as pessoas viram-se diante da necessidade de passar longos períodos dentro de suas próprias residências. Tal perspectiva fez com que muitos investissem em mudanças para casas e apartamentos mais amplos, ou mesmo em reformas a fim de tornar suas moradias mais agradáveis durante o isolamento auto imposto.
Em 2021 um levantamento realizado pela AGP Pesquisas em parceria com a empresa Casa do Construtor ouviu 400 pessoas em todo país e revelou que 68% delas tinham feito alguma obra nos últimos 12 meses. Destas, 38% delas reformaram em 2020 e alegavam que o motivo principal era a necessidade de viver em um ambiente mais agradável durante a pandemia de COVID-19.
Se este aumento inesperado acabou sendo benéfico para o segmento, o momento atual é de muitas especulações. Com a abrandamento do cenário pandêmico e um gradativo, porém constante, retorno das pessoas a uma rotina de normalidade diante das campanhas de vacinação, os números de vendas voltaram a cair. De acordo com projeções da Anamaco, o faturamento do varejo de lojas de material de construção deve recuar entre 1% e 1,5% este ano em relação a 2021. Além do final do isolamento, fatores como as altas taxas de juros, cenário eleitoral, desaceleração do crescimento, desemprego em alta e altos índices de endividamento familiar são fatores que devem contribuir para a piora do setor em 2022.
Se o recuo que estamos vivendo é compreensível diante destes fatores, qual será a perspectiva para os próximos anos? Estaríamos diante de um cenário de recessão no segmento?
Embora a resposta seja complexa e envolva dezenas de variáveis que não necessariamente podem ser mensuradas de maneira prática, é possível, sim, adotar alguma dose de otimismo com o futuro próximo das empresas de materiais de construção.
MOTIVOS PARA ACREDITAR
Em primeiro lugar é preciso lembrar que houve um encolhimento significativo do mercado em 2015 e 2016, período da última grande recessão econômica brasileira. Segundo estatísticas do IBGE disponibilizadas pela plataforma Fundação de Dados, estes dois anos registraram uma queda acumulada de 6,7% do PIB em relação a 2014. No setor de materiais de construção o impacto foi especialmente devastador: mesmo em 2021, ano de excelentes resultados para o segmento, o PIB Construção registrado estava 24,4% abaixo ao de 2014.
Tais números podem ser interpretados de diferentes formas, mas é possível inferir diante deles que estamos ainda longe de um “teto”: há boa margem para crescimento. À medida que a situação econômica se estabilizar, uma tendência apontada como provável por economistas em função do arrefecimento das incertezas provocadas diante do cenário eleitoral conturbado que vivemos ao longo deste último ano, é esperado que os índices econômicos que têm afetado o poder de compra dos consumidores melhorem, independentemente do vencedor das eleições.
Os consumidores já parecem estar sentindo este cenário: segundo dados recentes do Índice de Confiança do Consumidor (ICC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), pesquisa que capta os sentimentos da população em relação à situação geral da economia e suas finanças pessoais, houve um aumento de 13,7% na confiança de melhora do cenário econômico em relação ao mesmo período de 2021. Segundo o Instituto, a retomada do mercado de trabalho, a desaceleração da inflação, a recuperação da renda média familiar e os pacotes de benefícios sociais do Governo Federal – que devem ser mantidos pelo novo governo – contribuem para esta visão mais otimista da população.
Por fim, talvez entre aqui o dado mais importante para sustentar a expectativa de que o setor de construção deve esperar por resultados satisfatórios: pesquisa publicada na plataforma Fundação de Dados feita com 1.022 consumidores de materiais de construção que realizaram obras residenciais entre o segundo semestre de 2021 e abril de 2022, revelou que 64,2% deles ainda não tinham feito todas as reformas que desejavam. O principal motivo apontado para isso foi a extrapolação do orçamento para as obras. Ou seja: à medida que a situação econômica melhore, é razoável pensar que essas pessoas voltarão a investir em obras interrompidas ao longo dos últimos anos.
Diante de tais informações, não é exagero conjecturar que a possível queda nos índices que o segmento de materiais de construção deve registrar em 2022 são pontuais e não devem se repetir em 2023, mesmo sem um novo período de isolamento social tal como o registrado em 2020 e 2021. Parece claro que embora estes dois anos em questão tenham apresentado um crescimento expressivo, tal cenário foi um ponto fora da curva. Da mesma forma, a virtual queda de rendimento que será registrada também precisa ser tratada como uma possível exceção: embora o segmento ainda esteja longe das estatísticas registradas em 2014, a melhora gradual do cenário econômico brasileiro sugere um crescimento lento mas constante ao longo dos próximos anos.
Especulações à parte, há um fato que não pode ser ignorado: o setor brasileiro de materiais de construção é sólido e, tal como já provou inúmeras vezes, estará pronto para lidar com as intempéries sociais ou econômicas que vierem a surgir. Eu sempre apostaria nele.
Cristian Ely Moller – Administrador de empresas, mestrando em Gestão comercial e inteligência de mercado. Tem mais de 15 anos como executivo multinacionais do segmento da construção civil.