O premiado espetáculo Existo!, da Cia La Leche, tinha uma ampla agenda de apresentações presenciais agendadas para 2020 que foi interrompida pela pandemia do novo coronavírus. O público que não pôde prestigiar a peça, que além dos prêmios, foi reconhecida por críticas excelentes da imprensa, tem a oportunidade de assisti-la em uma versão inédita pelo canal de Youtube do grupo.
Com direção de Cris Lozano e dramaturgia de Alessandro Hernandez, Existo! é uma alegoria sobre a liberdade que todas as pessoas deveriam ter, mesmo que isso contrarie os padrões sociais – especialmente os que nos definem apenas como homens e mulheres. Na obra, Alessandro interpreta Luan, menino que mora em uma torre à espera do momento de poder sair e descobrir o mundo que conhece apenas pela janela – seu maior desejo é compartilhar momentos de diversão com meninos e meninas que vê em uma escola.
Enquanto aguarda por esse momento – que chegará quando uma jabuticabeira estiver amadurecida, carregada de frutos – Luan exerce sua liberdade neste espaço fechado na companhia de sua mãe, que apesar de alimentar suas ambições, fica constrangida com os questionamentos do garoto, como a decisão de usar vestido ou mesmo de se transformar em uma menina. Animais que conversam com Luan durante seu período de isolamento também colaboram com o tom fabular da peça. Tanto a mãe como os bichos são interpretados por Ana Paula Lopez, atriz da Cia que participou do processo criativo e colaborou na preparação corporal do espetáculo.
“Antes da pandemia, fizemos uma série de sessões para escolas seguidas por um debate com as crianças. É impressionante como o lugar do preconceito habita muito mais o imaginário dos adultos”, conta Alessandro Hernandez sobre as experiências de trocas com espectadores que devem ser potencializadas com as sessões online, que alcançam um número maior de pessoas.
O artista reforça que, a princípio, o texto contaria a história de uma criança transexual, mas o caminho tomado para a peça foi outro. “Era muito mais potente abordarmos os questionamentos, e não a transexualidade em si”, conta o dramaturgo. Segundo ele, esse recurso fez com que os assuntos da peça se tornassem mais amplos e proporcionassem mais diálogos possíveis sobre gênero e sobre o que é lido hoje em dia como masculino e feminino.
___________________________
Luan – Hoje eu vi cores no céu. Era uma faixa imensa. Você demorou e agora não tem mais nada. O céu voltou a ficar azul.
Mãe – O arco-íris não costuma demorar muito. Ele vem e vai embora rapidinho. Você fez um pedido pra ele?
Luan – Ele estava longe. Bem em cima do povoado. Olhei ele rapidinho e voltei correndo pra cá.
Mãe – Da próxima vez faça um pedido. Um arco-íris traz sorte.
Luan – Deu vontade de alcançar ele com as mãos e escorregar até lá, junto de todo mundo, mas eles são tão estranhos.
Mãe – Quem?
Luan – Aqueles olhos que vivem no povoado. Toda vez que eu apareço na janela, eles apontam pra cá.
Mãe – Impressão sua. Eles estão longe. Bobagem!
Luan – Mas parece que eles não gostam de me ver.
___________________________
Cia La Leche – Seus projetos
Existo! é a segunda parte de uma trilogia da Cia La Leche que traz, para as crianças, assuntos sociais urgentes. A primeira peça desse ciclo é Salve, Malala!, uma discussão sobre o direito à educação inspirada livremente na história da paquistanesa Malala Yousafzai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2014. A peça, que ganhou o Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e Jovem, parte da trajetória de Malala para estimular uma reflexão sobre a educação brasileira.
A terceira parte, que já está escrita, se chama Vambora! e tece uma discussão sobre os cuidados necessários com o meio ambiente. Enquanto a peça não pode estrear nos palcos, a estratégia do grupo é fazer um esquenta lançando vídeos em curta-metragem que introduzem os assuntos da peça. Os episódios serão gravados nos bairros de Guaianases, Brasilândia e Grajaú – todos localizados em São Paulo. A previsão de lançamento é julho. “Vamos inserir as paisagens reais dos bairros para refletir sobre a devastação do meio ambiente e as precariedades sociais mesclando com a dramaturgia da peça”, adianta Alessandro.
Cia La Leche – Histórico
Em 2021, a Cia La Leche completa 15 anos. Neste período, reuniu parcerias de artistas e colaboradores que construíram uma trajetória pensada para dentro do universo temático voltado para crianças e jovens partindo, como matéria inicial de pesquisa, uma fonte literária a ser adaptada para texto cênico, uma biografia a ser adaptada para texto teatral, uma ideia explorada e materializada em texto na sala de ensaio ou um texto previamente escrito.
Todas essas formas de se construir uma narrativa são os fundamentos que identificam o trabalho da Cia: a relação com o tema e com a produção do texto. Os processos criativos orientados pela diretora Cris Lozano sempre tiveram como princípio a exploração da narrativa como matéria da atuação, se valendo da investigação da palavra como corpo e do corpo como palavra.
Sinopse
Luan observa o mundo pela janela da torre onde mora e recebe visitas de bichos, não frequenta a escola e aprende tudo com sua mãe. Em meio a esses encontros, espera o momento em que as jabuticabas crescerão e estará pronto para sair de casa. Diante do mundo real e de seu imaginário, Luan coloca em questão as normas que definem as diferenças entre ser menina e ser menino.
Ficha Técnica
Dramaturgia: Alessandro Hernandez
Direção: Cris Lozano
Elenco: Alessandro Hernandez e Ana Paula Lopez
Cenografia e figurinos: Eliseu Weide
Iluminação: Grissel Piguillem
Trilha sonora: Morris Picciotto
Produção: Cia La Leche
Serviço
Existo!
De 3 a 18 de abril de 2021
Sábados e domingos, 11h | Grátis
Transmissões pelo Youtube da Companhia: www.youtube.com/CiaLaLeche
Duração: 45 min. | Classificação: Livre | Recomendado para crianças a partir de 7 anos
Redes Sociais da Cia La Leche
Facebook: facebook.com/cialalechesp
Instagram: @cialalechesp