Um dos artistas mais originais e que criou um movimento à parte na música popular brasileira, Milton Nascimento, acaba de completar 79 anos e o marketing estratégico da Sony Music não fez por menos e, dando prosseguimento ao projeto de digitalização de seu catálogo, incluindo a restauração de tapes analógicos e projetos gráficos originais, completou a discografia do artista registrada em seus estúdios nas plataformas de streaming. Com isto, o Disco Mix “RPM e Milton Nascimento” (1987) e o álbum “Miltons” (1988) chegam pela primeira vez às plataformas digitais hoje (12 de novembro). O exponencial “Yauaretê” (1987), que até então não estava disponível em todas as plataformas digitais, poderá ser desfrutado sem quaisquer restri& ccedil;ões ainda esse mês. A discografia do artista na Sony também passará por um processo de otimização no YouTube, a partir deste mês de novembro, para disponibilizar todas essas músicas para os usuários da plataforma.
Produzido por Márcio Ferreira, então empresário do artista, “Miltons” (1988) era mais informal e m
enos grandiloquente que seus álbuns mais recentes até então, tendo na banda de base, entre outros, dois velhos amigos, o tecladista Herbie Hancock e o percussionista Naná Vasconcelos (além de Robertinho Silva em duas faixas). Composto basicamente de regravações, trazia apenas duas inéditas, “River Phoenix – carta a um jovem ator”, escrita – letra e música – por Bituca para homenagear o ídolo, após ficar encantado por sua atuação no filme “Conta comigo” – e “Sêmen”, em parceria com o saudoso Fernando Brant. As demais faixas eram regravações de obras já consagradas. Uma pelo 14 Bis (“Bola de meia, bola de gude”, originalmente composta para o espetáculo “O último trem”, do Grupo Corpo, que ganhou letra de Brant a pedido do grupo, que a estourou em seu segundo álbum, de 1980), duas por Nana Caymmi (“Fruta boa”, outra da dupla Milton e Brant, e “Sem fim”, do baixista Novelli com o poeta Cacaso) e outra por César Camargo Mariano (que havia registrado sua parceria com Bituca “Don Quixote” em seu álbum do ano anterior, “Ponte das estrelas”).
Milton também gravou uma adaptação livre para o standard latino “La bamba”, que ganharia letra de seu próprio punho somente quinze anos depois, a fim de presentear sua afilhada Maria Rita (rebatizada de “A festa”, tornou-se o primeiro sucesso da cantora). Também releu uma canção que se tornou clássica em sua própria interpretação, “San Vicente”, que lhe abriu as portas para o intercâmbio com artistas da América Latina em 72 quando a registrou no clássico álbum “Clube da Esquina”, transformando sua casa numa república livre para artistas das Américas de passagem pelo país. Finalmente, “Feito nós”, recente parceria gravada em dueto no ano anterior com o roqueiro Paulo Ricardo, então integrante do RPM, neste &aac ute;lbum ganhava novo arranjo.
A propósito, em 1987 o RPM era o grupo mais popular do país, alcançando a cifra inédita de 2.500.000 de cópias do álbum “Rádio pirata ao vivo”, lançado pela então CBS, hoje Sony Music. Daí que o disco mix (no formato de um LP, mas com duas faixas) “RPM e Milton Nascimento” foi um lançamento bastante festejado à época. Produzido e mixado pelo expert Mazzola, trazia a referida faixa de trabalho “Feito nós”, com música de Milton e letra de Paulo Ricardo, numa pegada mais roqueira; e “Homo sapiens”, com música de Paulo e letra de Milton.
No mesmo ano, Bituca – que desde 1969 mantinha em paralelo uma exitosa carreira e discografia vol
tada para o mercado exterior – lançava em 87 seu primeiro álbum internacional com produção fixada no Brasil (a cargo do mesmo Mazzola). A então CBS não mediu esforços para tornar “Yauaretê” um álbum de penetração mundial, já que o anterior, mesmo sem tal ambição, havia chegado às paradas da Billboard. Agora disponível em todas as plataformas de streaming, trata-se de uma excelente oportunidade do público redescobrir parcerias vocais de Milton com Paul Simon (“Vendedor de sonhos”) e autorais com Cat Stevens e Márcio Borges (“Mountain”) ou reouvir seu velho hit “Morro velho” com concepç&ati lde;o de arranjo do mago Quincy Jones. Também ouvirá os tecladistas americanos Herbie Hancock e Don Grusin, o saxofonista Wayne Shorter e o trompetista Jerry Hey passeando por suas faixas, ao lado dos nossos Robertinho Silva, Nelson Ayres, Celso Fonseca, Túlio Mourão, Rique Pantoja, Heitor T.P., do grupo Uakti, entre outros craques. Eles ajudaram a imortalizar temas como a politizada “Carta à República” e a existencial “Meu mestre coração” – as faixas mais badaladas do álbum no país –, além de “Canções e momentos”, revelada um ano antes num dueto com Maria Bethânia em seu badalado LP “Dezembros” – todas, p arcerias com o onipresente Fernando Brant.
Sua discografia na Sony Music traz ainda dois álbuns interessantes, “Txai” (1990) e “O Planeta Blue na estrada do sol – ao vivo” (1991). O primeiro foi fruto de uma viagem do cantor pelo rio Juruá, afluente do rio Amazonas, a fim de descobrir sons dos povos da Floresta Amazônica, incluindo os de diversas tribos indígenas, que foram devidamente registrados no álbum, entremeados a obras autorais que os tiveram como inspiração. Também havia baladas românticas como “Coisas da vida” (com Brant) e a obra-prima “A terceira margem do rio”, numa parceria com Caetano Veloso, em referência ao mais famoso conto de Guimarães Rosa. Com este álbum, tornou-se até então o único artista brasileiro e conquistar o primeiro lugar na parada de World Music da Billboa rd, além de Músico do Ano, pela revista Downbeat em 90, pela Downbeat Reader’s Pool, em 91 e pela Downbeat Critics Pool, em 92.
Já o seu álbum ao vivo de 1991 era o registro de um show em que mergulhava num Brasil profundo e afetivo, buscando revigorá-lo por meio de canções próprias, com letras de Fernando Brant (“Vevecos, panelas e canelas” e “Planeta Blue”) e de compositores de sua preferência, como Tom Jobim e Dolores Duran (“Estrada do sol”), Caetano (“Um índio”), Chico Buarque (“Brejo da cruz” e “Beatriz”, esta com Edu Lobo), sem esquecer do clássico atemporal “Luar do sertão”, de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense, composta na virada do século XIX para o XX. Com essa pequena mostra de quatro álbuns e um disco mix você pode ter ao alcance de um clique o Milton latino, o Milto n africano e o Milton universal. Estão todos soltos lavando a nossa alma. Como disse certa vez Aldir Blanc, “Todos os Miltons são reNascimentos”.
Rodrigo Faour