Conforme vamos entrando em um estado mais controlado da pandemia por meio da disseminação da vacina, vão surgindo diferentes preocupações que teremos que enfrentar em um mundo onde convivemos com a Covid-19 no dia a dia.
Em muitos países, os casos da doença vêm diminuindo e quem é infectado não desenvolve um quadro grave. Segundo dados do Estado de São Paulo divulgados neste mês, por exemplo, a média móvel de internações e óbitos diminuiu em 70%, com menos de 5 mil pessoas nas UTIs, o que não era alcançado desde janeiro deste ano.
Porém, isso não quer dizer que o vírus foi extinto. Com o avanço da variante Delta e o fato de que a maior parte da população mundial ainda não se vacinou completamente, em certos locais do mundo vem sendo implementados documentos que comprovam a imunização completa, com o objetivo de controlar o acesso a locais fechados como restaurantes, museus ou academias. Foi anunciado esta semana que a cidade de São Paulo também adotará a medida.
“Acredito que seja um recurso necessário e muito responsável, do contrário será muito difícil alcançarmos o fim da pandemia,” explica Malek Imad, especialista em medicina de urgência e emergência, que foi coordenador de um dos hospitais de campanha do Estado de São Paulo.
Assim como na cidade de Nova York, na capital paulista será necessário o download de um aplicativo, que terá acesso ao banco de dados da vacinação, previsto para ser lançado nesta sexta feira. Segundo o prefeito, Ricardo Nunes, o estabelecimento que desrespeitar o comprovante, será multado pela Vigilância Sanitária.
A medida é vista como polêmica por muitos, que dizem ser contrários ao direito de ir e vir, mas Imad explica que o intuito da política pública não é proibir pessoas de se movimentarem, mas sim incentivar a imunização.
“A pessoa que transita por espaços fechados sem as duas doses da vacina não é só um risco para ela mesma, mas também para toda a comunidade a sua volta,” comenta o médico. “Ela pode contrair o vírus de forma assintomática e transmiti-lo para muito mais pessoas, já que o imunizante também diminui a carga viral emitida.”
Ele destaca ainda o quanto o momento é delicado, já que a maioria das vacinas não tem 100% de garantia contra casos graves e é provável que precisaremos de uma vacinação anual, já que estudos mostram que não existe efeito duradouro, e por isso precisamos de medidas que complementem a campanha de vacinação. “Caso contrário estaremos pulando de uma onda para outra, sem previsão de um fim”, explica.
Imad, que passou o último ano tratando de pacientes com a Covid-19, apoia a medida da prefeitura e espera que ela abra portas para que outras cidades e estados a implementem, considerando o ritmo de imunização no Brasil. Apenas 21,42% da população tem a vacinação completa, segundo dados das Secretarias Estaduais de Saúde, de 211 milhões de habitantes.
“Com o afrouxamento das restrições para locais como restaurantes e bares em muitos lugares, garantir que pelo menos quem esteja lá está imunizado é essencial para continuar freando o número de mortes,” complementa.
Para o especialista, isso é uma compensação que não seria obrigatória caso houvesse um comprometimento geral da população em se vacinar e aderir aos protocolos de segurança, mas devido à falta de políticas de incentivo à vacina durante o início da pandemia e o consequente movimento negacionista, é necessário que o estado se responsabilize por quem procurou se preservar durante este último ano.
“Devemos encarar a vacinação e o ‘passaporte’ como um semáforo. Somos obrigados a parar no sinal vermelho porque coloco a minha vida e a vida do outro em risco,” exemplifica Imad. “Posso não o fazer, mas se eu passar no sinal errado, pagarei com as consequências do meu ato.”
De qualquer maneira, ele acredita que será impossível ‘fugir’ da vacina, já que muitos lugares, como a União Europeia e países como Japão, Israel e Coréia do Sul já pedem o comprovante da vacinação completa para receber viajantes estrangeiros. Muitas empresas no Brasil também exigem o mesmo para aceitar empregados e a tendência é isso se expandir cada vez mais.
“Acredito que o ‘passaporte da vacina’ seja um reflexo de como essa doença se comporta e como nós nos agimos em relação a ela. Ela nos envolve como comunidade e em retorno devemos parar de olhar para o individual e entendermos que cada vacina conta para todos nós,” finaliza o especialista.