Cerca de 78,5% dos brasileiros discordam de os pais terem o direito de tirar os filhos da escola para ensiná-los em casa – 62,5% totalmente, e 16% em parte. É o que revela uma recente pesquisa realizada pelo Cesop-Unicamp sob a coordenação do Cenpec, que ouviu 2.090 pessoas a partir de 16 anos em 130 municípios brasileiros.
Por outro lado, segundo o Ministério da Educação (MEC), 35 mil famílias praticam a modalidade de ensino domiciliar, conhecida como homeschooling, no Brasil. Ainda considerado ilegal no país por não haver uma legislação que o regule, o ensino domiciliar é o principal projeto para a área da educação encabeçado pelo governo, que quer regulamentá-lo o quanto antes, tornando-o uma opção respaldada por lei.
O novo texto proposto pelo MEC para o projeto de lei que autoriza a modalidade no país foi aprovado pela Câmara e está em discussão no Senado. Ele sugere regras mais rígidas que a proposta anterior do próprio governo, mas ainda consideradas insuficientes por especialistas. Alunos que estudam em casa precisariam estar matriculados na escola e seriam submetidos a avaliações trimestrais. Além disso, os pais teriam que “assegurar a convivência comunitária” das crianças, mas não fica claro como isso seria fiscalizado.
Críticos defendem que oficializar a opção fere o direito de frequentar a escola, considerada por eles crucial para a educação integral e para a socialização. Defensores argumentam que regularizar o ensino atende ao direito das famílias de decidirem como educar os filhos e que milhares de adeptos vivem sob insegurança jurídica.
Para a jornalista Priscilla Lima, pesquisadora sobre o assunto, os motivos para os pais adotarem o ensino domiciliar são inúmeros. “Crianças com dificuldades de aprendizagem ou que sofrem com bullying ou violência. Pais que se mudaram para locais distantes de grandes centros, onde o acesso a escolas é mais difícil ou mesmo que consideram que há defasagens estruturais no modelo de ensino ou que não concordam com a ideologia ensinada em sala de aula”, reflete a jornalista brasileira radicada na Califórnia, criadora do Podcast Mãe! Me Ajuda?, que amplia a discussão sobre homeschooling de maneira imparcial, assim como propõe tratar de outros temas ligados à parentalidade e educação dos filhos.
De acordo com a pesquisadora científica do conhecimento e PHD em psicanálise, Carla Dendasck, entrevistada no podcast, o mundo está passando por uma fase social complicada em que está cada vez mais difícil o respeito às diferenças de realidades das famílias e que isso é necessário para se discutir o homeschooling sem ideologias pré concebidas, achismo, questões condicionadas políticas ou religiosas. Caso contrário, o país não chegará em soluções para o tema.
“Muitos pais alegam que o sistema escolar atual está longe de valorizar as aptidões individuais de cada criança e se questionam como ajudá-las a desenvolver o máximo potencial. Se um jovem tem notadamente habilidades artísticas, que não estão relacionadas ao conteúdo curricular de matemática, ou se uma criança é um matemático e não tem interesse por literatura, eles deveriam aproveitar o tempo aprimorando o dom que já possuem em vez de aprender disciplinas para as quais não tem aptidão. Sem contar a baixa qualidade das escolas e a falta de preparo de muitos professores”, pondera Dendasck.
A especialista reforça que pais, governos, entidades da área da educação, precisam considerar que o mundo vive outra realidade de produção de conhecimento e de aprendizagem. “Hoje se aprende fórmula de Bhaskara no aplicativo, jovens fazem projetos de engenharia com todos os cálculos no computador, sem fazer faculdade de engenharia. E ainda temos que levantar as questões das profissões do futuro. Congressos no mundo inteiro já debatem que as tecnologias estão revolucionando as profissões, e áreas como a do direito, engenharia, medicina não são mais praticadas como há 10 anos e serão ainda mais diferentes no futuro”.
Também é importante considerar que hoje muitas faculdades já não exigem mais o conteúdo de vestibular antigo, inclusive valorizam outras habilidades como a capacidade de redigir uma boa redação ou selecionam candidatos que tiveram boas notas no Enem, por exemplo. “Contudo, as universidades federais ainda praticam o vestibular antigo, de nível superior restrito. Então, se o objetivo é que o jovem faça uma universidade federal, aí ele terá um vestibular mais tradicional e os pais tem que pensar nisso”, ressalta Carla Dendasck.
Sobre a diferença entre homeschooling e Ensino à Distancia (EAD), a especialista explica que o EAD é ministrado por professores e cabe aos pais o acompanhamento para verificar se o filho está estudando ou não. Já no homeschooling, os pais podem usar plataformas e até mesmo escolas que oferecem Ensino à Distância (EAD), mas não é uma exigência e, sim, podem escolher quais metodologias vão usar para o ensino dos filhos, claro que dentro dos parâmetros exigidos da educação. Por exemplo, eles podem escolher se vão ensinar filosofia durante uma partida de xadrez ou se vão ensinar biologia presencialmente na fazenda.
Da teoria à prática
Aos pais que gostam da ideia do ensino domiciliar, mas tem dúvidas se o método pode dar certo na prática, Dendasck sugere que uma alternativa é testar em um momento de férias escolares. “É interessante entrar em uma plataforma, procurar opções, testar dicas e técnicas de outros pais de homeschoolers, tanto para ver se a criança teria condições de aprender quanto se os próprios pais dariam conta de fazer esse acompanhamento. Porque educar é complicado. Então é muito importante verificar os prós e contras de cada realidade familiar”, diz.
Lima comenta que assim como a temática do homeschooling ganhou evidência na pandemia, outras questões sobre educação dos filhos e desafios da parentalidade vieram à tona.
Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), de junho de 2020 a junho de 2021, com 7 mil crianças e adolescentes de todo o país mostrou que um em cada quatro apresentou ansiedade e depressão durante a pandemia com níveis clínicos. E, segundo os especialistas, uma relação familiar saudável ajuda a proteger contra o desenvolvimento desses transtornos.
Foi esse cenário que despertou na jornalista brasileira, radicada nos EUA há mais de 6 anos, mãe de uma menina de 8 anos, a vontade de produzir conteúdos com opinião de especialistas como psicólogos, psiquiatras, especialistas em programação neurolinguística, que promovem reflexões e ajudam pais a enxergar esses temas do relacionamento familiar de uma forma mais leve.
“Até nos tornarmos mães e pais não falamos muito sobre os desafios de educar um ser humano. Fala-se pouco sobre dificuldades e dúvidas e a falta de informação gera inverdades e mais preconceito. A melhor forma de lidar é discutindo o assunto, de forma ética e profissional, com informações baseadas em evidências científicas”, diz Priscilla Lima.
Os temas dos episódios são diversos: birra, educação não violenta, autismo, excesso de exposição a eletrônicos, alimentação e suas dificuldades, conexão materna, educação sexual, entre outros.
Para ouvir os episódios basta acessar, de forma gratuita, as plataformas Spotify, Apple Podcast, ou Google Podcast.