A educação nunca mais será mesma. O retorno às salas de aula vai acontecer, mas dentro de novos contextos. O Conselho Nacional dos Secretários de Educação elaborou o documento Diretrizes para protocolo de retorno às aulas presenciais para orientar diretores e gestores escolares quando esse momento chegar. Menos alunos por sala; aumento das atividades individuais; rodízio de alunos e professores; continuidade de aulas online; lugares marcados nos refeitórios; aulas de reposição aos sábados; uso de máscaras por educadores e alunos – essas são algumas das recomendações do órgão. Esse será um retorno sujeito a ondas, ou seja, determinado pela evolução ou recuo da pandemia no país. Diante da proximidade dessa etapa de volta às aulas e de tantas recomendações, a Geekie elaborou um passo a passo para orientar o desenvolvimento de uma estratégia de reabertura segura e resguardando o pedagógico.
O primeiro passo é definir um plano geral de retomada. Ao pensar nesse plano – levando em consideração as determinações do Ministério da Saúde, do Centro de Prevenção e Controle de Doenças e dos governos estaduais – alguns estabelecimentos de ensino criaram uma jornada composta, basicamente, por cinco fases: mais restrita(escola fechada e ensino remoto); restrição moderada (suspensão de transporte escolar no estacionamento, apenas 50% ou menos de estudantes na escola, famílias não terão acesso à escola e fornecedores só ingressam se cumprirem restrições sanitárias); pouca restrição (suspensão de ônibus escolar no estacionamento, apenas atividades de baixo risco no contraturno, aumento da população de estudantes, famílias não terão acesso ao interior do colégio e fornecedores terão acesso dentro das restrições sanitárias); menor restrição (retorno dos ônibus, atividades de risco moderado são permitidas, retorno total dos estudantes, acesso da família limitado, assim como de fornecedores); e nenhuma restrição – que deve ocorrer quando a vacina contra a Covid-19 estiver disponível. Óbvio que esse plano – que pode servir de inspiração para escolas públicas e particulares – pode e deve ser revisto mediante qualquer nova onda de expansão da doença.
Uma outra proposta, baseada em um modelo adotado em uma escola do distrito de Washington, nos Estados Unidos, prevê uma única fase de reabertura, priorizando a retomada de alunos do ensino médio, com sete períodos de aulas por dia. Na etapa chamada de “reentrada”, estão previstas aulas remotas e presenciais, com atividades personalizadas; períodos remotos, pré-planejados e flexíveis de acordo com a necessidade. Para manter o distanciamento social, será adotado o modelo híbrido – com momentos presenciais e remotos em dias da semana alternados. Em um cenário de reinfecção pela Covid-19, o calendário será reorganizado, contando com a perda das férias de verão e a possibilidade de adotar, novamente, o modelo totalmente remoto.
Nesse primeiro passo, o importante é buscar exemplos como inspiração e conciliar com o contexto da sua escola. Quando retomar e o número de fases dessa volta são escolhas que vão depender das expectativas das famílias e dos estudantes, do espaço física da escola, da sustentabilidade do modelo remoto atual, dentre outros fatores.
Definida uma estrutura geral de retomada, o passo dois envolve detalhar as condições de cada fase e principais características (estratégias de ensino, restrições, momentos presenciais e a distância). Uma discussão que tem mobilizado educadores de todo o mundo, em um contexto de retorno gradativo e seletivo, é quais estudantes devem voltar primeiro. Em alguns países como a Dinamarca, a opção recai para os estudantes mais novos, seguindo o argumento de que têm mais dificuldade de acompanhar as aulas a distância. Na Nova Zelândia, estudantes da creche e do primeiro ao nono ano – que não podem ficar sozinhos em casa, sem adultos –, serão os primeiros. Isso leva em consideração o fato de que muitos pais devem retornar às atividades profissionais. Na China, Portugal e Alemanha, os primeiros serão os alunos do último ano do ensino médio, pois são os que devem ingressar nas universidades no próximo ano.
Uma outra discussão importante refere-se aos horários. Os gestores devem pensar em uma grade de horários fixos para criar uma rotina, evitando alternâncias. Além disso, deve-se considerar que algumas famílias podem não concordar com o retorno dos filhos à escola. A grade horária deve ser definida de acordo com a capacidade da escola e a recomendação das autoridades do Estado. Muitas podem ter, por exemplo, restrições do número de alunos. Uma sugestão é pensar na divisão de alunos nos dias da semana ou entre semanas. Outros pontos de atenção, que devem constar no detalhamento são: divisão das turmas em grupos menores com distanciamento; evitar contato entre estudantes de turmas diferentes; rotação de professores – não de turmas –; protocolos para estudantes e funcionários (treinamento, cartazes, equipamentos); preparo do espaço físico (áreas alternativas para as aulas, distância mínima entre carteiras etc).
Apesar das volumosas discussões em torno dos riscos sanitários, vale colocar em foco que as definições devem também ser embasadas pelos aspectos pedagógicos. É imprescindível uma reorganização do currículo e das estratégias de ensino, bem como a execução de avaliações diagnósticas e de um ensino diferenciado. As salas de aula naturalmente guardam diversidades, que ficaram ainda maiores com a interrupção das aulas. Estudos mostram impactos significativos na aprendizagem em períodos de descontinuidade de aulas, sobretudo em matemática. Por isso, a necessidade de resguardar as aprendizagens essenciais de cada série e ano escolar, e ter ações diferenciadas para minimizar tais impactos.
O terceiro passo é estabelecer previsões de contingência. Seja a incidência de um caso dentro da escola ou uma nova onda de casos de coronavírus. Na primeira situação, recomenda-se que as escolas organizem as atividades para que não tenha contato entre grupos. Dessa forma, fica mais fácil identificar as possíveis transmissões e fazer o isolamento necessário.
De modo geral, o plano de reabertura deve levar em consideração temáticas como a redução dos riscos sanitários; a proteção dos processos de ensino e aprendizagem (como garantir a qualidade, os direitos de aprendizagem); e bem-estar da comunidade escolar com a comunicação transparente para todos os atores, além da definição dos momentos e ações para que os estudantes possam falar sobre os próprios sentimentos. Nesse último item, ressalto que o retorno – tanto estudantes, quanto professores –, precisam ter espaço para expressar como estão se sentindo. Reconheço que combinar esses elementos é um verdadeiro quebra-cabeça, mas temos que tomar uma decisão, de acordo com a realidade de cada escola. Não é um caminho único; essas dicas são norteadoras baseadas em experiências nacionais e internacionais.
Camila Akemi Karino é diretora pedagógica da Geekie. Psicóloga, mestre e doutora pela Universidade de Brasília (UnB), estagiou na Universidade de New Brunswick (Canadá), onde estudou “Igualdade, equidade e eficácia do sistema educacional brasileiro”. Entre 2010 e 2014 foi coordenadora-geral de Instrumentos e Medidas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), sendo responsável pelas principais avaliações da educação básica, tal como o Enem. Atualmente, é pesquisadora-colaboradora do programa de pós-graduação do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB.