Cauê tem 4 anos. Certo dia, enquanto caminhava no supermercado com a mãe, pegou um ovo e disse que o devolveria para a galinha. “Mesmo quando era menor, ele sempre perguntava sobre o ovo, que lhe interessava muito pela aparência, por ser redondo. Ele ficava curioso. Na infância, a criança vai desenvolvendo uma maturidade e entendimento da vida. A gente sempre falava que o ovo não era nosso, que era da galinha, e ele começou a entender isso desde pequeno”, explica sua mãe, Fernanda Vieira.
Vegano desde que nasceu, Cauê compreende muito bem o significado desse estilo de vida e é a personificação das novas gerações que adotam hábitos mais conscientes. “Agora, com 4 anos, ele entende que há pessoas que comem o ovo, mas nós não. Mostramos que respeitamos os animais e tentamos trazer essa conversa de forma não violenta e com leveza, para que ele não julgue os outros. Precisamos ser muito cautelosos, tentamos mostrar que temos nossos privilégios e podemos escolher ser amáveis com os animais’’, relata Fernanda.
Para ela, o processo foi diferente. Os primeiros passos para a mudança de hábitos foram dados aos 15 anos. Curiosa sobre a origem da carne que consumia, começou a pesquisar sobre o assunto na internet e encontrou muitos dados sobre exploração animal. Decidiu deixar de consumir carne vermelha definitivamente depois de assistir um vídeo de abate bovino, mas a transição até o veganismo — que também exclui outros tipos de carne e alimentos de origem animal da dieta, como ovos, leite e mel — ocorreu gradualmente. Após estudar Zootecnia e realizar um doutorado focado em bem-estar animal, ela se sensibilizou com a forma como os animais eram tratados na indústria de alimentos e decidiu se tornar vegana em 2014.
Restavam-lhe duas opções: abandonar tudo aquilo ou encontrar uma maneira de utilizar esse conhecimento para fazer a diferença. Fernanda optou pela segunda, começou a atuar como voluntária em movimentos de proteção animal e, hoje, é diretora de Políticas Alimentares e Bem-estar Animal da Sinergia Animal no Brasil — uma organização internacional que trabalha para diminuir o sofrimento de animais na pecuária industrial e reduzir o consumo de carne, ovos e laticínios, promovendo escolhas alimentares mais compassivas.
Programas estimulam consumo de alimentos de origem vegetal
Para estimular o contato de pessoas com essa alimentação, a Sinergia Animal criou um desafio vegano digital e oferece todo apoio para que os inscritos deixem de consumir ingredientes de origem animal por 21 dias — com dicas, receitas e orientações gratuitas de nutricionistas. Ao todo, já participaram mais de 150.000 pessoas ao redor do mundo. Além do projeto online, a mãe do Cauê também está à frente do programa Alimentando o Amanhã na Argentina, Colômbia, Tailândia e Indonésia, incentivando escolas e universidades a oferecer um menu vegetal em, no mínimo, um dia na semana. Embora o programa não seja restrito a jovens, Fernanda observa que são eles quem participam ativamente dos grupos pois têm mais acesso ao conhecimento sobre como a agropecuária causa sofrimento aos animais, os malefícios à saúde humana e ao planeta.
Na escola do seu filho não é diferente. A diretora da Sinergia Animal tem observado as instituições cada vez mais preparadas para abraçar a diversidade, assim como os colegas de Cauê e seus familiares: “As crianças entendem muito bem e, muitas vezes, quando as famílias vão celebrar o aniversário dos seus filhos, levam opções inclusivas. Ele sempre pergunta o que é vegano e aceita tranquilamente. A escola também me avisa para que eu possa oferecer uma substituição. Uma vez, iam fazer uma atividade culinária na aula e a professora fez questão de fazer um bolo de cenoura vegano”.
Antes visto com preconceito e desconfiança, o veganismo tem aumentado continuamente em todo o mundo. Esse crescimento, inclusive no Brasil, é movido pela difusão de informações sobre os impactos da alimentação onívora na saúde humana, o meio ambiente e os animais. Com base em dados do IBOPE, de 2018, a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) calcula que já são 30 milhões de vegetarianos e 7 milhões de veganos no país.
Redes sociais aproximam pessoas do veganismo
Em algumas regiões, todavia, a tradição da carne ainda é forte. Para a influenciadora Claiti Cortes, vegana há aproximadamente 5 anos, esse foi um dos fatores que impactaram a sua transição. “Li A política sexual da carne [de Carol J.Adams] e outros livros, mas a transição para o veganismo foi mais demorada porque moro no Sul, em Passo Fundo (RS). Existe toda uma cultura de consumo de carne e leite”, afirma.
Hoje, a influenciadora usa as redes sociais para falar sobre veganismo e maternidade de uma forma leve e descomplicada. Com mais de 280 mil seguidores no perfil Imaginavegan, no Instagram, ela aparece ao lado da filha Antonela, de 4 anos, para mostrar receitas fáceis com ingredientes de origem vegetal e inspirar uma mudança positiva. O canal surgiu quando Claiti estava de licença-maternidade e começou a compartilhar algumas receitas nos Stories e no feed. “A ideia era que as pessoas cozinhassem com o que tinham em casa e mostrar que isso não era nada mirabolante. Quando virei vegetariana, encontrava pouco conteúdo e, como moro no interior, não chega muita coisa”, diz.
Assim como Cauê, Antonela sempre foi vegana e isso é natural no seu dia-a-dia. Se tem dúvidas sobre a origem de algum alimento, a mãe esclarece e ela recusa tranquilamente caso seja de origem animal. Claiti, que está na segunda gestação, serve como um exemplo para a filha, que faz sucesso ao aparecer no Instagram da mãe.
A influenciadora é procurada com frequência por outras mães, muitas querendo entender se a dieta vegana é segura durante a gravidez e na introdução alimentar das crianças. A resposta curta é que sim — apesar dos mitos populares, e incorretos, às vezes propagados até por profissionais de saúde pouco familiarizados com o veganismo.
Cuidados na gestação e infância
A alimentação à base de plantas é recomendada para todas as idades e também para mulheres no período de gravidez e amamentação. O nutrólogo e diretor da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), Eric Slywitch, ressalta que não existe nenhuma condição de saúde que exija a alimentação onívora, mas que é importante fazer acompanhamento com um profissional atualizado sobre o assunto. Esse é o caso de Claiti e Antonela, que, além do acompanhamento com nutricionista, também suplementam a vitamina B12.
“O que muda é que temos pontos de maior atenção em uma dieta e na outra. Por exemplo, sabemos que em uma dieta onívora, o ácido fólico é muito solicitado e preconizado para evitar má formação fetal no começo da gestação. Geralmente, em vegetarianos e veganos, se a alimentação tem bastante frutas e verduras, costuma ser uma dieta bem rica em ácido fólico. Poderíamos até dizer que a necessidade de suplementar teoricamente é menor, dependendo das escolhas da pessoa”, explica Slywitch.
A vitamina B12 também é muito importante, especialmente no início da gestação. Apesar da suplementação ser frequentemente associada aos veganos, o nutrólogo aponta que até 40% da população onívora mundial tem carência de B12. “Isso é um dado muito marcante, que muitas vezes os onívoros desprezam e acabam tendo uma falta de cuidado por conta disso”, reforça.
Outro ponto de atenção, segundo Slywitch, é o uso da forma ativa do ômega 3 (DHA), geralmente derivado de peixe. Na alimentação sem animais, utiliza-se óleo de alga. O cálcio também pode ser obtido através da alimentação vegetal, mas é importante usar uma bebida fortificada ou um suplemento. “Tem se falado muito na vitamina colina, que acabamos prescrevendo também nesse período. O ferro é fundamental para todas as mulheres, pois a gestação gasta muito ferro e mulheres vegetarianas e veganas que menstruam têm uma prevalência um pouco maior de deficiência de ferro em relação às onívoras, então os ajustes também são necessários”, explica.
Introdução alimentar e desenvolvimento
No período da introdução alimentar, aos seis meses de vida, o nutrólogo pontua que a proporção dos alimentos é muito importante: “Muitas pessoas acham que vegetarianos vivem à base de salada e colocam muito legume e verdura no prato. Isso faz com que a caloria dessa dieta seja baixa e essa criança não cresça e se desenvolva. É muito importante que o prato dela seja constituído por um terço de cereais, um terço de leguminosas (feijões, ervilha, lentilha, grão de bico) e um terço de verduras e legumes. Sempre colocamos um pouco de óleo, pode ser de abacate, de linhaça, azeite de oliva para aumentar a inserção calórica. Uma criança recém-nascida precisa de 100 calorias por quilo de peso”.
A mesma atenção para a B12 e o cálcio recomendadas na gestação valem para as crianças, uma vez que possuem uma função extremamente importante para o desenvolvimento físico e neurológico. No caso do cálcio, o nutrólogo aponta que há uma dificuldade em sua análise bioquímica, por ser um exame mais complexo de se realizar em uma criança pequena. “Geralmente, só depois dos 5 anos conseguimos essa dosagem. Então, nosso cuidado é garantir fontes alimentares que, somadas, cheguem à necessidade de cálcio da criança. É importante fazer a soma e complementar, se necessário, com suplemento ou bebida vegetal fortificada com cálcio”, conclui Slywitch.