*Por Manoel Pereira de Queiroz
Durante minha carreira no mercado financeiro tive diversas oportunidades de negociar reestruturações de dívidas empresariais, tanto pelo lado do banco, como pelo lado do devedor. O sucesso de uma reestruturação (entendendo como sucesso, quando ao final do processo a companhia consegue sair de uma situação financeira ruim e retornar à sua atividade normal) depende de inúmeros fatores e detalhes que vão muito além da análise fria dos números e das alternativas disponíveis. Fatores subjetivos, como a postura do devedor, os objetivos divergentes entre os credores, a dinâmica da negociação, a governança da companhia, a qualidade dos assessores envolvidos, a confiança mútua, entre outros, podem determinar o sucesso ou o fracasso do processo e, consequentemente, a recuperação ou a falência do negócio. Há, no entanto, dois erros bastante comuns por parte do devedor que podem comprometer consideravelmente as chances de sucesso.
O primeiro, é o administrador, seja ele sócio ou executivo, não reconhecer o problema que tem. Segue-se a isso a tentativa de esconder o problema dos credores e stakeholders em geral. Com isso, perde-se um tempo precioso para estancar a sangria. Quanto antes se admita a dificuldade, mais margem de manobra se tem. Não admitir o problema, principalmente na frente de credores que têm experiência para identificá-lo, gera outro efeito deletério: mina a confiança.
Lembro-me de um grupo sucroenergético que certa vez chamamos ao banco para uma conversa, pois identificamos que as finanças não estavam bem. A empresa tinha três unidades industriais e recomendamos ao gestor que vendesse uma delas (havia liquidez para esses ativos na época), oferecemo-nos, até mesmo, para procurar um comprador. O executivo negou de pé junto que tinha qualquer problema e ainda se mostrou ofendido com a nossa abordagem.
Em virtude do fato, reduzimos a nossa exposição ao grupo paulatinamente, de forma que quando o problema se tornou público, cerca de um ano depois, nossa exposição era um quarto em relação à data da reunião. O cliente faliu, mas os credores (nós incluídos) também perderam dinheiro. Tivesse o problema sido reconhecido de imediato, talvez o fim fosse outro.
O segundo erro, também bastante comum, é o credor pular diretamente da fase do “não admitir o problema” para a fase do “a melhor defesa é o ataque”. Nestes casos, em geral ele terceiriza a negociação e, muitas vezes, a tomada de decisão, para consultores financeiros e advogados pró solução litigiosa. Bons advogados e consultores são indispensáveis como conselheiros, contudo, a negociação e a tomada de decisão são prerrogativas dos administradores, que diferentemente dos prestadores de serviços citados, serão diretamente afetados por elas.
Faltam estatísticas mais atualizadas, mas, segundo levantamento de 2013 da consultoria Corporate Consulting e do escritório de advocacia Moraes Salles, apenas 1% das empresas que pediram recuperação judicial no Brasil saiu do processo recuperada. Naquele período, cerca de quatro mil companhias pediram recuperação judicial, mas só 45 voltaram a operar como empresas regulares. No decorrer desses oito anos e meio, apenas 23% delas tiveram os seus planos de recuperação aprovados pelos credores, enquanto 398 companhias faliram e a maioria dos processos se arrastava no Judiciário sem definição final.
Outro estudo, feito pela Serasa Experian na mesma época, descobriu que somente uma empresa em cada quatro consegue sobreviver no Brasil após pedir uma recuperação judicial. Para realizar esse levantamento, o birô de crédito analisou 3.522 empresas que tiveram pedidos de recuperação judicial aprovados entre junho de 2005 e dezembro de 2014. Deste grupo, 946 companhias tiveram o processo encerrado nesse período. Entre essas, 218 (23,04%) retomaram as atividades. Por outro lado, 728 empresas (76,95%) decretaram falência. Seja qual for o dado correto, fica claro que a saída litigiosa tem pouca chance de sucesso.
Portanto, em uma crise financeira, seja qual for o tamanho do seu negócio, reconheça rapidamente que o problema existe. Opte sempre pela negociação. Não vai ser fácil, nem indolor, nem garantida, mas a complexidade e a dor serão menores e as chances de sucesso maiores que as de uma opção litigiosa. Contrate bons consultores e advogados, pois é importante estar bem assessorado, mas opte por profissionais que tenham experiência em saídas negociadas.
Não terceirize a negociação nem as decisões. Lembre-se: o maior interessado é você.Quanto antes colocar o bode na sala e começar a discutir as opções sobre o que fazer com ele, mais cedo ele sairá de lá.
*Manoel Pereira de Queiroz é superintendente de Agronegócio do Banco Alfa e membro do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp