O Brasil registra uma nova configuração de crimes contra o patrimônio. De 2018 a 2023, houve uma queda dos roubos em ruas e um aumento acelerado dos estelionatos, especialmente os cometidos por meios eletrônicos, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024). O contexto de digitalização das finanças favorece os criminosos: a cada 10 transações financeiras no país neste ano, nove foram feitas por canais digitais, sendo que 45% delas foram realizadas com Pix – que é um dos principais meios para aplicar golpes. Uma pesquisa recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que os brasileiros perderam R$ 25,5 bilhões em golpes com Pix e boletos falsos nos últimos 12 meses. Neste panorama de migração do crime, a Silverguard analisou milhares de denúncias de vítimas da Central SOS Golpe para realizar a segunda edição do estudo Golpes com Pix.
“O Pix não é o vilão, mas ajudou a acelerar o crescimento dos golpes digitais no Brasil. Em 2022, meu pai entrou para a estatística: se tornou uma das vítimas e perdeu R$ 15 mil. A criação da Silverguard foi inspirada pela dura jornada de tentar recuperar, sem sucesso, o dinheiro perdido. Com mais de 20 anos de experiência em tecnologia, reuni um time de especialistas e, com o suporte de investidores, criamos o SOS Golpe, a primeira plataforma de antifraude social do país, que ajuda e conecta vítimas ao sistema financeiro, encurtando a jornada da denúncia e aumentando as chances de recuperação do dinheiro perdido no golpe. Como parte do trabalho, decidimos conduzir uma pesquisa para entender as nuances do crime digital e poder, com base nesse conhecimento produzido, ajudar, ainda mais, brasileiros de todas as idades. Para as vítimas mais velhas, o desafio de perder dinheiro em um golpe pode ser ainda maior. Muitos têm uma renda fixa limitada, já comprometida com outros gastos, e ainda há o trauma emocional de ter caído em um golpe onde, na maioria das vezes, o fraudador se passava por um familiar pedindo dinheiro emprestado”, afirma Marcia Netto, fundadora da Silverguard.
Marcia Netto salienta que o desafio dos golpes com Pix é de toda a sociedade, ou seja, embora muitos coloquem apenas no cidadão a responsabilidade de prevenção, as empresas – não só bancos, como redes sociais e telefonia, por exemplo – precisam aceitar sua responsabilidade pelo que está acontecendo no país. “Para aplicar golpes, criminosos dependem de uma rede de serviços: registram URLs, contratam hospedagem de sites, anunciam nas redes sociais, utilizam operadoras de telefonia, compram links patrocinados e, também, abrem contas falsas ou laranjas em Instituições Financeiras. Prevenção de golpe não é só validar uma conta na sua abertura; uma maneira muito relevante de prevenir um golpe é bloquear uma conta usada por um golpista na primeira denúncia recebida, porém, como os times de fraude das instituições – sejam financeiras ou de tecnologia – têm receio de falsos positivos, acabam esperando atingir uma volumetria de golpes para analisar o caso e fazer o offboarding dessas contas, expondo milhares de vítimas a golpes que poderiam ter sido prevenidos”, afirma.
O estudo Golpes com Pix revela que, entre a classe AB, as perdas são de R$ 6.300; na C, a cifra é de R$ 3.500; e na DE, R$ 1.500. A análise por idade indica que a perda de uma vítima de mais de 60 anos é quatro vezes maior que a de uma entre 18 e 24 anos.
Entre os golpes analisados, 79% têm origem em plataformas da Meta, com o WhatsApp liderando, originando, 39% dos casos, seguido pelo Instagram (23%) e Facebook (18%). Os canais variam muito por idade: enquanto o WhatsApp foi o canal inicial de 69% das vítimas com 60 ou mais anos, o Instagram foi o maior canal inicial para vítimas menores de 18 anos. Em relação à renda, o Facebook é o canal inicial de golpes que apresenta a maior variabilidade, sendo 21% na classe DE e 6% na classe A. Noventa e sete por cento dos golpes com Pix são do tipo APP (authorised push payment fraud), em que o próprio usuário, iludido por uma história muito convincente, acaba transferindo dinheiro diretamente para o fraudador, ou seja, vítima de um golpe de engenharia social.
| RAIO X DOS GOLPES COM PIX 2024
RECORTES ETÁRIOS
:: GOLPES POR IDADE | Vítimas e golpes que mais caem
As narrativas, lojas e os produtos são alterados a cada três meses pelos golpistas, mas sempre permanece, por trás da história, uma estratégia-base.
_ Menos de 18 anos: compra de um produto ou serviço de uma loja/perfil falso (58%); falsa oportunidade de multiplicar e investir dinheiro (21%); e compra de produto de uma pessoa que teve sua rede social hackeada (7,5%).
_ De 18 a 29 anos: compra de um produto ou serviço de uma loja/perfil falso (52%); falsa oportunidade de multiplicar e investir dinheiro (16,5%); e falsa oportunidade de emprego e renda (6%).
_ De 30 a 39 anos: compra de um produto ou serviço de uma loja/perfil falso (42%); falsa oportunidade de multiplicar e investir dinheiro (16%); e falsa oportunidade de emprego e renda (10%).
_ De 40 a 49 anos: compra de um produto ou serviço de uma loja/perfil falso (41%); falsa oportunidade de multiplicar e investir dinheiro (13%); e impostor pedindo dinheiro emprestado e/ou ajuda (11%).
_ De 50 a 59 anos: compra de um produto ou serviço de uma loja/perfil falso (35%); impostor pedindo dinheiro emprestado e/ou ajuda (27%); e golpe da falsa central de atendimento do banco (8%).
_ Mais de 60 anos: impostor pedindo dinheiro emprestado e/ou ajuda (48%); compra de um produto ou serviço de uma loja/perfil falso (18%); e golpe da falsa central de atendimento do banco (7%).
_ O valor do prejuízo de uma vítima com mais de 60 anos é quatro vezes maior do que o de um jovem de 18 a 24 anos; e 16 vezes maior que de uma vítima com menos de 18 anos.
Nas outras faixas etárias, a média de prejuízo é de:
Menos de 18 anos: R$ 270
18 a 24 anos: R$ 1.046
25 a 29 anos: R$ 2.165
30 a 39 anos: R$ 2.530
40 a 49 anos: R$ 2.885
50 a 59 anos: R$ 2.400
60+: R$ 4.200
_ 7 CANAIS INICIAIS DE GOLPES
CANAIS | Menor 18 anos | 18 a 29 anos | 30 a 39 anos | 40 a 49 anos | 50 a 59 anos | 60+ anos |
1. Aplicativos de mensagens (ex.: WhatsApp/Telegram) (46,3%) | 36,2% | 42,9% | 45,8% | 46,1% | 55,2% | 71,7% |
2. Redes sociais (ex.: Instagram/Facebook/TikTok) (41,6%) | 56,0% | 45,8% | 42,9% | 40,1% | 29,0% | 13,3% |
3. Buscadores (ex.: Google/YouTube) (5,0%) | 5,0% | 5,1% | 4,2% | 5,1% | 7,5% | 4,0% |
4. Ligação telefônica (1,6%) | 1,0% | 1,1% | 2,7% | 2,2% | 5,2% | |
5. E-mail (1,4%) | 1,2% | 1,9% | 0,7% | 2,9% | 1,7% | |
6. Aplicativos de jogos (0,8%) | 1,2% | 0,7% | 0,7% | 0,4% | ||
7. SMS (0,4%) | 0,2% | 0,4% | 0,5% | 0,4% | 1,7% |
_ 10 TÁTICAS DE GOLPES
TÁTICAS DE GOLPES | Menor 18 anos | 18 a 29 anos | 30 a 39 anos | 40 a 49 anos | 50 a 59 anos | 60+ anos |
1. Produto/serviço de loja/perfil falso (44,9%) | 58,1% | 52,0% | 42,3% | 40,6% | 34,8% | 18,4% |
2. Multiplicar dinheiro/ investimento falso (14,6%) | 20,6% | 16,5% | 15,7% | 12,8% | 7,9% | 4,9% |
3. Impostor(a) pedindo dinheiro/ajuda (9,9%) | 1,9% | 4,3% | 7,3% | 10,5% | 26,5% | 47,6% |
4. Emprego ou renda extra (6,8%) | 3,1% | 5,9% | 9,6% | 8,3% | 5,3% | 2,7% |
5. Produto de alguém com a rede social hackeada (6,4%) | 7,5% | 5,9% | 7,8% | 7,2% | 4,3% | 2,7% |
6. Mensagem da central de atendimento/gerente (5%) | 1,3% | 4,0% | 5,4% | 6,1% | 7,6% | 7,0% |
7. Conta/Multa/Imposto falso (3,2%) | 0,6% | 2,5% | 3,2% | 4,6% | 3,3% | 6,5% |
8. Pagar para receber um saldo/dinheiro devido (2,8%) | 2,5% | 2,9% | 1,9% | 2,9% | 4,0% | 4,9% |
9. Empréstimo falso (2,3%) | 2,3% | 1,8% | 2,9% | 3,3% | 2,7% | |
10. Prêmio/sorteio falso (1,5%) | 2,5% | 1,3% | 2,3% | 1,4% | 0,7% | 1,1% |
TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS
:: GOLPES MAIS COMUNS | De acordo com as denúncias do SOS Golpe, plataforma de antifraude social da Silverguard, os golpes com Pix mais comuns são: compra de um produto ou serviço de uma loja/perfil falso (45%); falsa oportunidade de multiplicar ou investir dinheiro (15%); e impostor pedindo dinheiro emprestado (10%). A ordem dos golpes mais frequentes varia de acordo com a idade e classe social da vítima.
:: GOLPES POR CLASSE SOCIAL (TIPOS E VALORES PERDIDOS) | Apesar de brasileiros de todas as classes sociais serem alvos do golpe da compra falsa, algumas táticas são mais comuns e com maior prejuízo para as classes AB, C ou DE. A média de prejuízo de um golpe com Pix é de R$ 2.100 (1,5 x maior que o salário-mínimo); no caso de vítimas da classe AB, o prejuízo é R$ 6.100; na classe C, de R$ 3.500; e na DE é de R$ 1.500.
_ Classe AB: a média de prejuízo do golpe de multiplicar dinheiro/investimento falso é de R$ 28.700; empréstimo falso (R$ 23.600); e pedido de cirurgia/tratamento para um conhecido (R$ 12.900).
_ Classe C: a média de prejuízo do golpe do falso emprego ou da renda extra é de R$ 9.800; multiplicar dinheiro/investimento falso (R$ 9.600) e pagar para receber um saldo/dinheiro indevido (R$ 6.700).
_ Classe DE: a média de prejuízo do golpe do falso emprego ou da renda extra é de R$ 3.200; impostor pedindo dinheiro ou ajuda (R$ 2.200); multiplicar dinheiro/investimento falso (R$ 2.000).
:: MÉDIA DE PREJUÍZOS FINANCEIROS POR TÁTICA
Os coordenadores da pesquisa ressaltam que as vítimas não perdem apenas dinheiro. “A sensação de ser enganado carrega gatilhos emocionais intensos, muitas vezes causando impactos profundos nas relações familiares e, em casos extremos, levando à depressão e até ao suicídio. Cuidar de quem foi vítima de um golpe é essencial, principalmente os mais velhos, que, muitas vezes, perdem as reservas acumuladas em uma vida inteira e não têm tempo para recuperar o dinheiro perdido”, afirma Marcia Netto.
:: RANKING Estados com maior concentração de vítimas e média de prejuízo
O cálculo do ranking é feito pela quantidade de vítimas dividida pelo total de transações Pix realizadas por Estado, de janeiro a junho de 2024.
:: CANAIS DE ORIGEM DOS GOLPES
79% dos golpes com Pix têm origem em plataformas da Meta, com o WhatsApp liderando – originando 39% dos casos –, seguido pelo Instagram (23%), Facebook (18%), Telegram (7%), YouTube (5%) e ligação telefônica (1,6%).
:: DESTAQUES
| MAPEAMENTO DO PERFIL DOS GOLPISTAS DIGITAIS
:: CORPORATIVIZAÇÃO DO GOLPE FINANCEIRO DIGITAL | De acordo com Marcia Netto, CEO da Silverguard, o Brasil está testemunhando, em tempo real, a corporativização do golpe financeiro digital. “Esse é um fenômeno que, ao mesmo tempo que coloca os múltiplos ‘profissionais do golpe’ embaixo de um mesmo guarda-chuva, não os une por completo e nem cria balizas ou orientações para a atuação”, analisa. Equipado com novas ferramentas, o golpista 2.0 foge do estereótipo construído no imaginário coletivo do hacker – jovem que “entende de tecnologia e que se aproveita de situações oportunas. Hoje, a grande ameaça está entranhada em uma estrutura corporativa ainda em formação, que é diversa e passa por baixo dos radares do conhecimento geral. Com o abandono das armas de fogo, a invisibilidade da violência não física resguarda esses “agentes” tanto da própria culpa quanto das autoridades legais.
“Há aqueles que operam em pequena escala, aproveitando brechas no mundo real; outros desenvolvem roteiros e vendem scripts e tecnologias para que terceiros comprem e repliquem seus golpes. E, por fim, há os que vão além, criando verdadeiras instituições criminosas, com funcionários contratados, processos de admissão, RH, metas e até departamentos financeiros estruturados”, aponta.
PERFIS
Com base nos relatos recebidos via SOS Golpe, em entrevistas com especialistas e estudos sobre golpes ao redor do mundo, a pesquisa elenca perfis de criminosos e propõe uma nova lente pela qual se analise os “profissionais do golpe” e seus diversos âmbitos.
Raul | Os golpistas que ficaram conhecidos por viajar o Brasil em grupo, aplicando golpes longe de casa. Tradicionalmente, o trabalho do Raul era descobrir falhas para burlar sistemas de caixas eletrônicos e enganar idosos que não conseguiam operar no autoatendimento. Hoje, os criminosos com esse perfil estão modernizando seus golpes com o jogo do tigrinho e as bets. O Raul é conhecido como golpista ostentação, integrando um novo movimento cultural de ambição que está emergindo: jovens enxergam o golpe como uma forma de ascensão social mais segura e legítima – sem ter que pegar em armas ou se envolver com drogas. O Raul já entrou no aspiracional de profissão dos sonhos, ao lado dos influencers e jogadores de futebol; essa figura está presente nas letras de funk e tem até quem é “Raul açucarado” nas redes sociais.
Script Kiddie | Geralmente menores de idade que compram ferramentas e scripts, copiam códigos encontrados em fóruns ou tutoriais on-line, conhecidos como scams-as-a-service, para aplicar os golpes. Sem muito conhecimento técnico, reproduzem golpes já conhecidos ou buscam falhas em sites e sistemas muito acessados.
Banker | Especialistas em hackear sistemas bancários virtuais, sistemas telefônicos e coletar dados de cartões de terceiros, respectivamente. Usam uma combinação de técnicas de engenharia social e competências tecnológicas para fraudar vítimas e sistemas e obter lucro.
Cracker | Com uma competência técnica sem igual, usam de suas habilidades avançadas para fins maliciosos por vias digitais (em oposição aos “hackers” / “white hats”). Criam e vendem malwares e podem operar em rede para ataques mais complexos e planejados.
Organizações criminosas | Para além dos crimes violentos realizados nas áreas mais urbanizadas do país, o crime organizado está penetrando no sistema digital de pagamentos, operacionalizando transações e se apoiando em instituições financeiras próprias.
METODOLOGIA | O estudo Golpes com Pix 2024, realizado pela Silverguard em outubro de 2024, foi conduzido em três fases. Na primeira, utilizou-se a Lei de Acesso à Informação (LAI) para obter dados inéditos do Banco Central sobre as solicitações do Mecanismo Especial de Devolução (MED) do Pix de 2023.
Na segunda fase, os pesquisadores analisaram 5.000 denúncias de vítimas atendidas pela Central SOS Golpe, com perfis demográficos completos. A amostra contou com 60% do gênero feminino e 40% do gênero masculino. Quanto à classe social, 4% eram da classe AB; 25%, da classe C; e 71%, da classe DE. Em termos de faixa etária, 4% tinham menos de 18 anos; 42%, de 18 a 29; 25%, de 30 a 39; 17%, de 40 a 49; 8%, de 50 a 59; e 5% tinham mais de 60 anos. A terceira fase envolveu entrevistas exclusivas com 16 especialistas nacionais e internacionais do setor de antifraude.